Havas abre a porta à compra de ativos internacionais da Dentsu e exclui a aquisição de toda a rede
A Havas manifestou a sua disponibilidade para explorar acordos seletivos — seja através de aquisições parciais ou parcerias — sobre os ativos internacionais da Dentsu, depois de o grupo japonês ter nomeado, em agosto, bancos para avaliar alternativas estratégicas, incluindo a venda do seu negócio fora do Japão.
Durante a apresentação dos resultados do terceiro trimestre, François Laroze, diretor de operações e diretor financeiro da Havas, foi claro ao definir o âmbito de interesse: a rede completa da Dentsu seria “demasiado grande” para a Havas, mas determinados ativos poderiam ser uma boa opção.
“Se nos fosse proposta uma parceria ou a desinvestimento de certos ativos, consideraríamos essa possibilidade. Não pretendemos estudar a rede no seu todo, mas poderíamos estar interessados numa parte dela ou numa colaboração com algumas das suas agências. Consideramo-la um grande ativo”, afirmou Laroze, acrescentando que, até ao momento, não houve qualquer contacto com a Dentsu.
As declarações surgem após um trimestre sólido para a Havas, que registou um crescimento orgânico de 3,8%, impulsionado pelo desempenho do negócio nos Estados Unidos. Em paralelo, a Madison & Wall interpretou as palavras de Laroze como um sinal de abertura a fórmulas colaborativas, caso a Dentsu avance no seu processo. Por sua vez, a Dentsu remeteu para o seu comunicado anterior: a empresa está a explorar opções para maximizar o valor corporativo e ainda não tomou decisões; qualquer novidade será comunicada “em tempo e forma”.
Contexto: laços históricos e um mapa de holdings em movimento
O interesse da Havas coexiste com vínculos históricos com a Dentsu: o Grupo Bolloré, principal acionista da Havas, foi um investidor relevante no Aegis Group antes da sua compra pela Dentsu, em 2012, com o objetivo de acelerar a expansão internacional.
Hoje, o panorama dos grandes grupos de comunicação volta a mexer-se: a Omnicom está prestes a tornar-se o maior grupo após a aquisição da IPG, com a Publicis e a WPP a seguir, e a Dentsu e a Havas logo depois. Em dimensão, a Dentsu é cerca de três vezes maior que a Havas em número de colaboradores e capitalização (cerca de 817 mil milhões de ienes / 5,4 mil milhões de dólares, contra 1,5 mil milhões de euros / 1,8 mil milhões de dólares no caso da Havas).
Essa diferença de escala ajuda a explicar a prudência financeira da Havas.
“A Havas, enquanto grupo, não se projeta como compradora de toda a rede internacional. Seria demasiado grande para a Havas, olhando ao seu balanço. Ainda assim, continuamos a ser muito ágeis”, acrescentou Laroze.
O que poderá interessar e porquê
Embora ainda não haja ativos concretos em cima da mesa, o mercado especula sobre linhas de serviço que acrescentem densidade operacional, uma carteira de clientes complementar e soluções diferenciadoras — nas áreas de dados, conteúdo, commerce, performance e experiência do cliente.
Seguindo essa lógica, uma aquisição seletiva permitiria à Havas ganhar escala em mercados prioritários ou reforçar áreas de alto crescimento, sem comprometer o balanço com uma compra total.
A estratégia recente da Havas aponta nessa direção. Para além do crescimento orgânico, o grupo tem firmado parcerias (como o acordo entre a Havas Media e a independente norte-americana Horizon Media) e reorganizado a sua abordagem criativa e de meios, com foco na integração de dados, inteligência artificial e conteúdo como pilares transversais.
Posições no setor
No plano competitivo, alguns analistas identificam a Publicis e a Havas como candidatos naturais a analisar ativos internacionais da Dentsu. No entanto, Arthur Sadoun, CEO da Publicis, rejeitou publicamente — segundo a PRWeek — qualquer grande movimento de consolidação, afastando o interesse pelos ativos da Dentsu e questionando a lógica de “consolidar mais do mesmo” apenas por razões de eficiência.
Para a Dentsu, a revisão estratégica poderá traduzir-se em desinvestimentos seletivos que libertem capital e concentrem o portefólio em capacidades diferenciadoras e crescimento no Japão e noutros mercados-chave. Para um potencial comprador, o desafio será avaliar corretamente os ativos (evitando sobreposições), prever sinergias realistas e ultrapassar eventuais restrições regulatórias em mercados onde ambas as marcas têm forte presença.
Próximos passos
A curto prazo, o foco estará em perceber se a Dentsu define um perímetro claro de ativos para venda e se convida potenciais interessados a um processo competitivo. Para a Havas, o encaixe dependerá de três condições: retorno financeiro compatível com a sua estrutura de capital, integração operacional eficaz na rede existente e criação de valor mensurável — seja em escala, capacidade de vencer novos concursos ou melhoria de margens.
Caso o processo não resulte numa venda, acordos comerciais ou joint ventures com agências específicas da rede Dentsu podem ser uma via intermédia.
Entretanto, a Havas mantém a sua posição: se surgir uma oportunidade com bom encaixe estratégico, “certamente será considerada”; se a alternativa exigir uma aposta de grande escala, o grupo manterá a disciplina que tem demonstrado nas suas linhas vermelhas.
Num ciclo marcado pela desaceleração em várias regiões e pela pressão sobre as margens, essa combinação de prudência financeira e abertura tática definirá os próximos passos do grupo.