A “agentic IA” começa a integrar-se nos media: automação, produtividade e nova cultura digital
A pressão para fazer mais com menos é uma constante nos meios de comunicação atuais. Redações reduzidas, equipas comerciais levadas ao limite, mudanças nos modelos de receita e uma exigência crescente por dados e resultados concretos têm levado os publishers a procurar ferramentas tecnológicas que não só poupem tempo, como também libertem as equipas para se focarem no que realmente importa. É neste contexto que um novo conceito tecnológico começa a captar a atenção do setor: a agentic AI
Ao contrário da IA generativa tradicional, que se limita a responder prompts ou gerar conteúdo num único passo, a IA agentiva vai mais longe: trata-se de sistemas capazes de planear, executar múltiplas ações e adaptar-se de forma autónoma para atingir um objetivo — como se fossem assistentes virtuais com capacidade operacional.
Estes agentes podem abrir aplicações, preencher formulários, realizar pesquisas complexas, processar documentos, automatizar fluxos de trabalho e muito mais, sem intervenção humana direta durante a execução.
Hearst: eficiência e novos talentos graças à IA
Um dos pioneiros neste campo é o grupo Hearst, que começou a implementar IA agentiva na sua divisão de vendas publicitárias, sob a direção de Michael McCarthy, diretor sénior de IA, Vendas e Soluções Empresariais. Desde 2023, McCarthy lidera uma estratégia ambiciosa: reinventar o processo comercial combinando IA agentiva com automação.
“A chave é que podes delegar tarefas como se tivesses um assistente. Dizes-lhe: ‘investiga estas contas’ ou ‘acede ao meu LinkedIn’ e vais a uma reunião. Quando voltas, a tarefa está feita”, explicou McCarthy à Digiday.
Atualmente, mais de 500 colaboradores usam estas ferramentas para tarefas como planeamento de chamadas, redação de propostas, investigação de contas e atualização do CRM. Antes, cada investigação podia demorar até 40 minutos; agora é concluída em 2 minutos, garante McCarthy.
Mas o impacto vai além do desempenho.
“É uma questão de moral. Quando as equipas não estão sobrecarregadas com tarefas mecânicas, trabalham com mais energia, divertem-se mais e isso reflete-se nos resultados. Já vimos estas ferramentas ajudarem a fechar vendas de seis dígitos e aumentarem o valor médio das vendas em 153%”, afirma.
Além disso, estas soluções estão a transformar a formação e a seleção de talento. Já não é essencial contratar profissionais com experiência prévia em vendas digitais. Segundo McCarthy, o que mais importa agora é a atitude, porque o conhecimento técnico é aprendido dentro do ecossistema de IA que criaram.
“Criámos uma espécie de guia virtual que responde a dúvidas sobre os nossos 30 produtos. Funciona como uma base de conhecimento conversacional e está a facilitar imenso o onboarding”, comenta McCarthy.
Thomson Reuters: automação ao serviço da área jurídica
Outra empresa que adotou a IA com uma visão de longo prazo é a Thomson Reuters. Após adquirir a startup Materia em outubro de 2024, o grupo começou a automatizar tarefas complexas como leitura de documentos, extração de dados e classificação de informação em áreas como fiscalidade, contabilidade e serviços jurídicos.
“Estamos a integrar estes agentes em vários fluxos de trabalho. E embora ainda estejamos a avaliar a sua aplicação na área editorial, temos a certeza de que o futuro passa por integrar as notícias nos fluxos de trabalho dos profissionais através de agentes inteligentes”, explicou Jane Barrett, diretora de Estratégia de IA na Reuters.
A visão do grupo vai além do uso operacional: o objetivo é que as notícias sejam um input ativo no ambiente digital profissional — de advogados a consultores fiscais — e não apenas conteúdo consumido de forma passiva.
DPG Media: IA agentiva transversal a toda a organização
Na Europa, a DPG Media (editora de vários títulos e meios audiovisuais na Bélgica e nos Países Baixos) deu um passo à frente ao implementar IA agentiva de forma transversal em toda a empresa. Através da sua ferramenta interna ChatDPG, qualquer colaborador pode interagir com agentes inteligentes — seja para esclarecer dúvidas, executar tarefas ou automatizar processos.
Segundo Stefan Havik, diretor digital do grupo, 3.000 colaboradores começaram a utilizar a IA, e 1.500 fazem-no diariamente.
“Estamos a ver uma adoção especialmente forte nas áreas de redação e publicidade. Já integrámos agentes no sistema de gestão de encomendas e no ad server”, destaca Havik.
Um dos usos mais interessantes é a automatização de emails a partir do ad server, permitindo que as equipas comerciais enviem propostas personalizadas aos clientes sem sair do fluxo de trabalho. Além disso, os agentes fornecem informação em tempo real sobre as vendas face aos objetivos — algo que antes exigia vários passos manuais.
Cortes de pessoal? Não. Reinvenção do talento.
Embora a narrativa em torno da IA tenha estado historicamente associada ao desaparecimento de empregos, todos os profissionais ouvidos concordam que a IA agentiva não pretende reduzir equipas, mas sim reconfigurar o papel dos profissionais para funções mais criativas, analíticas e de maior valor.
“Temos demasiadas pessoas no setor presas a folhas de cálculo, workflows ou tarefas repetitivas. A IA pode tratar disso. Não se trata de cortar, mas de libertar tempo para construir relações, pensar estrategicamente e crescer”, explica Hamish Nicklin, ex-diretor de receitas do The Guardian.
“Quando as pessoas estão menos stressadas, têm melhor desempenho e são mais felizes. E quando isso acontece, os resultados disparam”, resume McCarthy.
Longe de ser uma promessa futurista, a IA agentiva já está a mudar a forma como operam os grupos de media mais inovadores do mundo. Da automatização de tarefas comerciais à análise de dados legais ou à gestão integral de fluxos de trabalho, estes agentes representam uma evolução natural rumo a um modelo de media mais eficiente, adaptável e centrado nas pessoas.
O que começou como uma exploração técnica está a tornar-se um novo padrão operacional. E embora os desafios não sejam poucos — da governação dos dados à literacia em IA —, o potencial é claro: uma redação, uma equipa comercial ou uma empresa que trabalhe com a IA, e não contra ela, será mais rápida, mais precisa e, acima de tudo, mais preparada para o futuro.