A The Trade Desk entra no Retail Media Onsite

Durante anos, a The Trade Desk (TTD) tem operado no universo do retail media a partir de uma posição lateral — explorando dados first-party de retalhistas para alimentar campanhas offsite, mas sem acesso direto ao inventário onsite. A sua proposta até aqui era clara: usar as suas capacidades programáticas, segmentação avançada, bidding sofisticado e measurement unificado para executar campanhas fora dos domínios dos retalhistas, mantendo total independência tecnológica.

A recém-anunciada aliança com a Koddi e a Gopuff rompe com este paradigma. Pela primeira vez, a TTD poderá oferecer aos anunciantes a possibilidade de comprar sponsored product ads diretamente nas propriedades digitais de um retalhista — integrando a camada onsite na sua própria DSP. Trata-se de uma mudança estrutural, e não apenas incremental.

Onsite vs Offsite: a linha que começa a esbater-se

A separação entre onsite e offsite tem sido, até agora, um dos pilares do retail media:

  • Onsite: inventário pertencente ao retalhista (motores de busca internos, listagens de produtos, banners em páginas de produto), gerido quase sempre através de plataformas fechadas ou vendors exclusivos.

  • Offsite: ativação de dados de retalho em meios externos (display, vídeo, CTV…), normalmente via DSPs independentes.

A TTD tem liderado a camada offsite; a Criteo, por sua vez, dominou o onsite, sobretudo nos sponsored product ads, graças à sua infraestrutura de serving profundamente integrada com os retalhistas.

O que torna este movimento relevante não é apenas o acesso pontual à Gopuff, mas sim a quebra da barreira operacional entre onsite e offsite dentro da mesma interface DSP. Isto abre caminho para estratégias de planeamento e medição unificadas, uma das maiores exigências dos grandes anunciantes, especialmente nas categorias de FMCG e CPG.

Um golpe direto ao coração da Criteo

Este movimento é, de forma inequívoca, um desafio direto à Criteo. A empresa francesa construiu a sua posição dominante precisamente sobre a camada onsite — servindo anúncios de produto patrocinado dentro dos retalhistas e controlando todo o stack de ponta a ponta. O seu fosso competitivo assenta nessa integração profunda, difícil de replicar.

Ao permitir a compra onsite através de uma DSP independente, a The Trade Desk propõe um modelo alternativo: os retalhistas, como a Gopuff, podem manter o controlo do seu inventário onsite, mas abri-lo à procura programática externa, multiplicando potencialmente a base de compradores sem depender de um único vendor fechado.

Não é uma disrupção imediata — a Criteo continua com contratos e presença em centenas de retalhistas —, mas representa uma mudança de coordenadas: o onsite deixa de ser um jardim totalmente murado.

Implicações para anunciantes e retalhistas

Para os anunciantes, o impacto é significativo:

  • Unificação: planear onsite e offsite na mesma plataforma DSP.

  • Medição consolidada: modelos de atribuição integrados, reduzindo a fragmentação atual.

  • Eficiência operacional: uma só interface, um só stack de otimização, sem depender de ferramentas proprietárias de cada retalhista.

  • Escalabilidade: acesso a inventário onsite sob as mesmas regras de bidding e targeting usadas noutros canais digitais.

Para os retalhistas, abre-se um dilema estratégico. Durante anos, o controlo total do seu inventário onsite foi um ativo comercial crítico. Integrar-se com a TTD significa ceder parte desse controlo tecnológico em troca de acesso a uma base de procura global e a funcionalidades programáticas avançadas que muitos não conseguem desenvolver internamente. A Gopuff foi a primeira a dar o passo. A grande incógnita é se outros retalhistas seguirão o mesmo caminho ou manterão os seus walled gardens.

Estandardização e maturidade: o próximo passo lógico

O retail media vive uma fase de expansão acelerada, mas continua marcado pela fragmentação tecnológica — stacks proprietários, métricas díspares e processos pouco estandardizados. A entrada de uma DSP independente na camada onsite pode acelerar a convergência para modelos mais abertos e interoperáveis, semelhantes aos que regem o display programático.

Se mais retalhistas abrirem o seu inventário onsite a DSPs, poderemos assistir a:

  • Criação de padrões comuns para formatos e reporting de sponsored products;

  • Maior concorrência entre fornecedores tecnológicos (Criteo, CitrusAd, PromoteIQ, Koddi…);

  • Pressão sobre os walled gardens (Amazon, Walmart) para repensarem o seu grau de abertura;

  • Possíveis integrações com clean rooms para medição avançada e segmentação incremental.

Leitura estrutural: TTD está a redesenhar a camada de procura

Mais do que o anúncio em si, o que está em jogo é o movimento estratégico da TTD para expandir a sua arquitetura de procura a um território até agora vedado. A empresa não pretende construir um stack vertical próprio (como a Criteo), mas sim oferecer uma camada de procura padrão, interoperável e escalável, na qual os retalhistas possam integrar-se se assim o desejarem.

É, em essência, a mesma lógica aplicada à CTV com o OpenPath: posicionar-se como o caminho mais eficiente e transparente para aceder a inventário premium. Em retail media, o desafio é maior — o onsite é tecnicamente mais complexo —, mas se conseguir tracionar mais retalhistas, poderá alterar o equilíbrio de poder entre DSPs, retalhistas e vendors especializados.

O acordo com a Gopuff, por si só, não transforma o mercado. Mas é a primeira peça visível de uma mudança estrutural mais ampla: a possível abertura programática do inventário onsite.

Se outros retalhistas seguirem o exemplo da Gopuff, a TTD poderá tornar-se a camada unificadora da procura global de retail media — enfraquecendo a posição dos vendors integrados e empurrando o mercado rumo à estandardização. Se não, continuará o modelo dual e fragmentado: onsite fechado, offsite aberto.

De uma forma ou de outra, a batalha pela camada onsite já começou — e a The Trade Desk acaba de lançar o primeiro golpe sério.

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