CTV não é Display: porque continuamos a comprar televisão como se fosse apenas mais um banner?

Na maioria das trading desks, continua-se a falar de CTV utilizando as mesmas variáveis aplicadas ao Display ou ao Vídeo Web. Continuam a planear-se “campanhas programáticas de vídeo” onde se coloca tudo no mesmo saco: in-stream, in-banner, in-app e CTV. Definem-se KPIs de Completion Rate a 99%, optimiza-se por CPCV e reportam-se CPMs “eficientes” sem analisar onde o spot foi realmente exibido ou que audiência efetiva foi alcançada. Mas o problema não é de reporting. A CTV não é apenas “mais um canal digital” — é um meio com uma lógica, um consumo e uma infraestrutura radicalmente diferentes.

O espelho enganador do “open market”

O primeiro erro — e talvez o mais caro — é ativar campanhas de CTV em open auction. Em teoria, faz sentido: mais escala, mais inventário, CPMs mais baixos… na prática, significa encher a campanha com canais FAST de baixo valor, conteúdos reciclados e audiências não verificadas. A diferença entre inventário premium (grandes broadcasters, plataformas AVOD ou grupos editoriais) e o longo rabo do inventário de CTV não é um detalhe: é abissal.

No mercado norte-americano, por exemplo, mais de 70% do volume disponível no Open Market provém de FAST ou apps sem controlo de conteúdo, enquanto as campanhas com acordos PMP ou PG concentram 80% do alcance real, brand safety e métricas de atenção. O paralelismo é claro: comprar CTV em Open é como comprar televisão linear num canal local às três da manhã e esperar o mesmo retorno do prime time.

A solução passa pela curadoria de inventário: uma whitelist mínima ajuda, mas o ideal são PMPs e PGs diretamente com o publisher ou a plataforma. Só nesses ambientes é possível controlar variáveis críticas: qualidade do conteúdo, frequência de exposição, user signal e consistência no reporting.

KPIs: medir o que importa, não o que está disponível

O segundo erro é conceptual: medir com métricas que nada significam neste contexto. CPCV (Cost per Completed View) e Completion Rate são, em CTV, métricas de conforto. Ter 99% de completion nada indica quando o utilizador não pode saltar o anúncio; e o CPCV é, no fundo, apenas um CPM disfarçado com outro denominador.

O performance marketing tentou transpor a sua lógica de eficiência para este meio — e o resultado foi uma contabilidade vazia: KPIs cumpridos sem impacto no negócio. Os KPIs em CTV devem alinhar-se com o objetivo da campanha e ser avaliados com metodologias de lift:

  • Conversion Lift ou Cross-Channel Lift, quando o objetivo é performance.

  • Brand Lift ou Search Lift, para medir recordação, afinidade ou intenção de pesquisa.

  • Geo-Lift, quando se procura impacto incremental em vendas ou tráfego em zonas específicas.

Os DSPs mais avançados permitem cruzar dados de exposição (exposure logs) com First-Party Data para estudar incrementos reais em conversão ou recordação — e é essa, e não outra, a métrica que demonstra valor. O KPI certo não é o mais fácil de entregar, é o que comprova causalidade.

Criatividade: o ponto cego dos traders

O terceiro grande erro é usar o mesmo spot de uma campanha de vídeo online. CTV não é um banner animado em ecrã grande. O utilizador não está a fazer scroll: está a ver conteúdo longo, numa televisão, com áudio ativo e atenção sustentada.

Por isso, a criatividade tem de acompanhar o contexto. CTV exige qualidade televisiva:

  • Narrativa audiovisual: contar algo em 15 ou 30 segundos, com estrutura.

  • Som cuidado: 100% dos spots são ouvidos — não há desculpa.

  • Tipografia grande e legível: o que funciona num feed mobile não funciona numa TV.

  • Branding verbal explícito: a recordação espontânea cai drasticamente sem menção auditiva à marca.

Grandes plataformas de streaming e alguns broadcasters já reportam diferenças até 30% em Brand Lift entre criativos adaptados a CTV e versões recicladas do online video. Em suma, o desempenho da CTV não se melhora no bidder — desenha-se no guião.

Medição: um canal sem cliques exige outro modelo

Parece óbvio, mas não é: em CTV não há cliques. Não há CTR, CPC, nem Bounce Rate. O utilizador está a ver um televisor — não a navegar numa página. Isto obriga a abandonar a lógica da medição digital clássica e adoptar métricas próprias do ambiente audiovisual:

  • Reach e frequência verificáveis (por utilizador ou dispositivo).

  • Attention e Time-in-View, onde a exposição média real importa.

  • Incremental Reach vs. Linear, quando se procura cobertura adicional.

  • Estudos de lift (marca, pesquisa, vendas) para demonstrar impacto.

Aqui surge o desafio técnico: sem standards comuns entre publishers e DSPs, a rastreabilidade continua fragmentada. É por isso que projetos de interoperabilidade — como o AdCP ou o recente UCP da LiveRamp — são fundamentais: permitirão uma linguagem comum entre compra, medição e planeamento, integrando a CTV sem perder visibilidade nem controlo.

Compreender o meio para dominá-lo

A CTV não é um canal emergente — é um ecossistema em consolidação. Mas a sua maturidade não depende da evolução tecnológica: depende da maturidade operacional de quem compra. Tratá-la como apenas mais um placement dentro de Display é queimar orçamento com ar de inovação.

A televisão conectada exige curadoria de inventário e acordos diretos (PMP/PG), medição orientada ao negócio — não à entrega —, criatividade desenhada para ecrã grande e formação interna: planners, traders e clientes precisam de compreender como se planeia e mede este meio.

A CTV é, na verdade, a peça mais próxima de unir o branding televisivo à precisão digital — mas só o será se a tratarmos como o que realmente é: um ecossistema próprio, não um banner de 30 segundos.

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