Cookieless sem identidade: o grande vazio estratégico dos meios digitais
O gráfico que acompanha este artigo deveria ser suficiente para desencadear uma crise existencial em qualquer comité editorial de um publisher. Segundo a AdMonsters e a Intent IQ, 55% dos meios de comunicação inquiridos continuam a confiar nos open exchanges para monetizar o seu tráfego sem cookies. Mas, numa admissão quase caricata, os mesmos 55% reconhecem que não o estão a monetizar de forma eficaz.
É como se o setor editorial tivesse desistido em silêncio. Sabemos que o canal não resulta, mas continuamos a canalizar para lá o tráfego mais valioso — o que vem do Safari, iOS e Firefox — à espera de um milagre. Na realidade, o que existe é uma preguiça estrutural, falta de accountability e uma dependência preocupante de padrões herdados.
Porque continuamos a alimentar um sistema falido?
Os open exchanges surgiram para resolver problemas de escala, não para maximizar o yield em ambientes cookieless. Não foram concebidos para identificar audiências, nem para empacotar segmentos de qualidade, muito menos para proteger a privacidade. Hoje, usar open exchanges para inventário sem cookies é como tentar vender presunto ibérico numa feira sem rotulagem: é impossível justificar o preço, e tudo acaba no caixote dos saldos. Mas o problema é mais profundo: o modelo operativo de muitas redações e equipas de monetização não se adaptou ao novo contexto de privacidade, e os incentivos continuam alinhados com a escala, não com o valor. E depois há o elefante na sala: a falta de conhecimento prático sobre como ativar estratégias alternativas, desde Deal IDs até soluções de identidade interoperáveis.
Quando a estratégia faz a diferença
Face ao estancamento generalizado, há publishers que estão a tomar decisões diferentes… e a ver resultados concretos. Um publisher, que preferiu manter o anonimato, decidiu enfrentar o problema de frente: associou-se a uma empresa para trabalhar a resolubilidade de audiências pouco direccionadas (iOS, Safari, Firefox) e começou a empacotá-las com Deal IDs para ofertas PMP.
Os resultados:
Aumento de receita entre 55% e 140% em alguns sites.
Melhoria de 58% no fill rate e 26% nos CPMs após implementar Bid Enhancement.
Um pipeline de identidade que inclui testes com Google, Amazon e outros.
A diferença não é apenas tecnológica, é organizacional: há estratégia, há testes, há foco nos resultados e há accountability.
O problema não está na intenção, mas na execução
74% dos publishers inquiridos afirmam que a sua prioridade ao implementar soluções de identidade é otimizar as receitas. Muito bem, mas apenas 29% considera importante criar Deal IDs, e muitos admitem não ter confiança para medir o impacto real das soluções que testam.
O resultado? Inação. Conhecimento teórico, mas sem execução. Planos de identidade feitos em PowerPoint que nunca chegam aos Ad Servers. Isto não é apenas uma falha táctica — é uma fraqueza estratégica que os compradores começam a notar: porque pagar mais por um inventário que o próprio publisher não sabe valorizar?
O custo oculto do conformismo
Continuar a enviar tráfego cookieless para open exchanges já não é uma decisão neutra. É uma decisão cara — que implica resignar-se a CPMs degradados, fill rates subótimos e uma dependência crescente de terceiros para monetizar aquilo que é, na verdade, o ativo mais valioso de um meio: o seu tráfego próprio e não direccionável. Num contexto em que cada ponto percentual conta, não ativar audiências cookieless de forma inteligente é deixar dinheiro em cima da mesa. E não pouco. Se já há publishers a gerar até 140% mais com segmentos pouco direccionados, quanto estará a perder o resto por não agir?
Mudar a pergunta
A indústria passa anos a perguntar: como posso monetizar o tráfego sem cookies? Talvez esteja na hora de reformular a questão: porque é que não o estou a monetizar melhor?
A resposta é simples: porque a tecnologia existe, os casos de sucesso também, e o que falta é liderança, foco e vontade de passar da intenção à implementação. E, como sempre, quem se mover primeiro será quem lidera a próxima vaga. Os restantes continuarão a alimentar um sistema falido… enquanto os compradores seguem com quem sabe o valor da sua audiência.