A Netflix deixa a fase de testes: o seu negócio publicitário acelera com a Amazon como catalisador

Durante anos, o discurso da Netflix perante os anunciantes soava mais a apresentação de produto do que a uma verdadeira proposta de meios — mas essa fase terminou. O gigante do streaming passou de justificar a sua entrada no mercado publicitário a comportar-se como aquilo que já é: uma plataforma global, com escala, tecnologia e ambição de planeamento. O tom mudou. Já não se fala de “fase de testes” nem de “aprendizagens”. A Netflix agora mede, vende e negoceia como qualquer outro grande player do mercado.

Do MAU ao MAV: redefinir a escala

A primeira prova de maturidade é a mudança de métrica. A Netflix abandona o tradicional MAU (Monthly Active Users) — que contava apenas os perfis com atividade publicitária — e adota o MAV (Monthly Active Viewers), um indicador que inclui a co-visualização em casa. O resultado: mais de 190 milhões de espetadores a nível global, uma métrica que pretende refletir com mais precisão a audiência real do plano com anúncios.

“O MAU não captava a co-visualização, o que nos sub-representava. Com o MAV, conseguimos mostrar o verdadeiro alcance da nossa proposta publicitária”, explica Mitzi Reaugh, VP de Estratégia e Finanças da Netflix.

A nova métrica reforça o argumento da empresa junto de planners e agências globais: a base de audiência da Netflix já compete, em alcance e frequência, com a televisão linear. Num mercado que ainda planeia por impressões, a mudança é simbólica — e confirma que o produto deixou de ser experimental.

O preço da maturidade

Outro sinal de evolução é o preço. A Netflix mantém um CPM médio de cerca de 30 dólares, com aumentos que podem chegar aos +40% quando se acrescentam camadas de segmentação (demográfica, geográfica ou de afinidade). Tarifas que, no lançamento, pareciam proibitivas, mas que hoje se alinham com plataformas premium como a Disney+ ou a Peacock.

“As tarifas base já são competitivas, mas os custos de targeting podem elevar o CPM real para níveis difíceis de justificar”, observa Ben Vaske, da Collective Measures.

A prioridade agora é demonstrar consistência e transparência, algo que ainda depende da integração com sistemas externos de verificação, frequência e atribuição.

Amazon, o acelerador

O grande movimento, porém, tem outro nome: Amazon.

A aliança entre as duas empresas — que permite aos anunciantes comprar inventário da Netflix diretamente através do DSP da Amazon, com comissões preferenciais — muda o mapa de poder. Na prática, uma parte significativa da compra publicitária da Netflix poderá ser feita dentro do ecossistema da Amazon, consolidando o seu DSP como porta de entrada para o vídeo premium global.

“Queremos encontrar-nos com os anunciantes onde quer que estejam, independentemente do DSP que utilizem. A integração com a Amazon é apenas o primeiro passo de uma colaboração mais ampla que se expandirá em 2026”, afirmou Amy Reinhard, presidente global de publicidade da Netflix.

A mensagem para a indústria é clara: a segmentação de audiências premium está a convergir com a lógica do retail media.

A arquitetura publicitária da Netflix

Por trás, a Netflix já opera com uma estrutura técnica consolidada. O seu stack combina a Magnite como SSP, um Ad Server próprio e integrações com os principais DSPs — Amazon, The Trade Desk, Google DV360, Yahoo e AJA — nos 12 mercados onde o serviço com anúncios está ativo.

Além disso, está a expandir as segmentações baseadas em dados (educação, estado civil, rendimento, intenção de compra), o onboarding de dados first-party via LiveRamp, e uma API de planeamento para agências que permitirá previsões em tempo real até 2026. O objetivo é claro: controlar a infraestrutura, não apenas o inventário.

Interatividade, formatos e eventos: o diferencial criativo

A Netflix quer distinguir-se pela inovação nos formatos. Já testa nos EUA anúncios modulares interativos que se adaptam ao comportamento do espetador — e que poderão ser lançados globalmente em 2026. Paralelamente, os eventos em direto (como WWE Raw, SmackDown e NFL Christmas Slate) ganham peso com inserção dinâmica de anúncios.

As integrações de marca continuam a crescer em torno de títulos como Stranger Things, Emily in Paris ou The Witcher, reforçando a ideia de um ecossistema onde a publicidade faz parte da narrativa, e não apenas uma pausa entre cenas.

A leitura estrutural

A Netflix percebeu algo que a indústria tradicional esqueceu: não basta vender audiência, é preciso vender contexto.

Enquanto outras plataformas competem por volume, a Netflix aposta no controlo vertical da sua arquitetura publicitária — do Ad Server à planificação. A parceria com a Amazon não é tática, é estratégica: junta o conteúdo e dados de um gigante à infraestrutura de ativação do outro.

No futuro, essa interoperabilidade poderá redesenhar as fronteiras entre CTV e retail media, criando um território onde dados, audiências e atribuição se cruzam de forma integrada.

A Netflix já não pede licença à indústria para entrar na mesa das grandes. Deixou de competir por legitimidade e passou a disputar orçamento estrutural. O desafio agora é garantir consistência e transparência operacional num mercado em que cada métrica é escrutinada ao detalhe.

Com a Amazon como acelerador, a Magnite como fundação técnica e a LiveRamp como ponte de dados, a Netflix deixa oficialmente a fase de testes — e consolida-se como produto maduro no ecossistema publicitário global.

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