A WPP já compete com a Google e a Canva em ferramentas de IA para pequenas e médias empresas
A WPP coloca a inteligência artificial no centro do seu plano de recuperação. Após resultados que a nova CEO, Cindy Rose, classificou como “inaceitáveis”, a WPP lançou a Open Pro, uma plataforma self-service que promete às pequenas e médias empresas (PME) planear, criar e publicar campanhas sem depender do fluxo tradicional de agência. Rose explicou que o segmento SMB e mid-market não é atualmente um foco prioritário do grupo, pelo que o objetivo da Open Pro é gerar receitas adicionais e atrair serviços geridos pelas agências do grupo. Por enquanto, a ferramenta está em fase piloto com clientes existentes — e a WPP ainda não revelou preços, concorrência, receitas nem número de subscritores.
A decisão surge num momento em que os grandes players tecnológicos estão a disputar o mesmo público.
A Google apresentou a Pomelli (29 de outubro), ferramenta do Google Labs que ajuda PME a gerar criativos “em marca” com base na sua presença digital (por enquanto, apenas imagens estáticas).
A Canva anunciou a Canva Grow, uma plataforma integrada no seu creative operating system para conceber e lançar campanhas — incluindo inventário em Meta — reforçando a sua transição de ferramenta de design para ecossistema de marketing end-to-end.
Estas novidades juntam-se a iniciativas anteriores da Amazon, Comcast (com o Universal Ads, gratuito) e Meta, consolidando a corrida para o modelo de “agência potenciada por IA” (AI-powered agency-in-a-box).
A pressão por velocidade, eficiência e automação está a obrigar os grandes grupos de comunicação a comportar-se mais como plataformas do que como prestadores de serviços à medida.
Como observa Jeremy Goldman, senior director of content na eMarketer, empresas com acesso direto a ferramentas avançadas “já não precisam de agências” para tarefas padrão — e “praticamente nenhuma agência” deixa de estar em posição defensiva.
Neste contexto, a Open Pro é a resposta da WPP: encapsular capacidades de planeamento, criatividade e ativação num produto self-service, mantendo camadas de serviços geridos para projetos de maior complexidade ou exigência de governação.
A aposta, contudo, não está isenta de riscos. Jay Wilson, VP analyst na Gartner, alerta para a assimetria de marca: entre PME, nomes como Google, Meta ou Canva beneficiam de uma confiança e familiaridade que os holdings de publicidade não possuem. Além disso, uma expansão agressiva do Open Pro pode canibalizar parte do negócio enterprise — clientes atuais de agências premium como a Ogilvy poderiam migrar para o modelo self-service, com margens mais baixas.
Roger Beharry Lall, Research Director na IDC, também adverte sobre os riscos de “movimentos down-market” baseados apenas em baixar preços e trocar o logótipo.
Diferenciar uma “agência em caixa” no território da big tech
A competição resume-se a produto, preço e governação.
Ferramentas como a Google Pomelli ou o Universal Ads da Comcast são gratuitas, elevando o patamar para a WPP.
Segundo Vanessa Cartwright, da Milestone Advisory, para se distinguir de soluções gratuitas ou de baixo custo, a WPP terá de oferecer serviços de maior valor — suporte especializado, brand safety avançado, medição e atribuição precisas, integração profunda e governação de dados. Contudo, isso pode reduzir o apelo junto de PME sensíveis ao preço.
Por outro lado, Jaclyn Konzelmann, da Google Labs, defende que a IA está a reduzir barreiras criativas e custos de campanha, permitindo que pequenas marcas aumentem investimento ao baratear a execução.
Para competir, o Open Pro terá de resolver as dores reais das PME:
Briefings guiados e assistentes de prompting;
Bibliotecas de modelos “on-brand”;
Geração e versionamento de criativos;
Adaptação multicanal;
Publicação e reporting unificados.
O ponto crítico estará em ligar tudo aos dados próprios do anunciante, garantindo controles de marca, conformidade e integração com os canais onde as PME já investem (pesquisa, social, retail media, CTV), sem as obrigar a reconstruir o seu stack tecnológico.
Preço e go-to-market
Sem um modelo de preços público, é difícil avaliar o potencial de tração.
Um modelo freemium — com limites de criativos, canais ou utilizadores — poderia facilitar a adoção inicial, enquanto bundles com serviços geridos (configuração inicial, definição de brand guidelines, auditorias de desempenho, helpdesk prioritário) permitiriam capturar valor adicional sem afastar clientes.
Outra via seria alianças com marketplaces de e-commerce, PSPs ou plataformas SaaS (contabilidade, CRM) para entrar por ecossistemas PME já estabelecidos.
A estratégia de vendas poderá combinar dois caminhos:
Canal digital direto para o long tail, com ativação em minutos e playbooks setoriais;
Equipa comercial dedicada a PME mais maduras, que procurem um fluxo criativo e de media integrado.
Em ambos os casos, a experiência de onboarding será determinante: se a plataforma não gerar resultados rápidos — como anúncios prontos e em marca logo na primeira sessão, ou insights automáticos nas primeiras 72 horas —, a taxa de abandono será elevada face às alternativas gratuitas.
O que as PME realmente avaliam
As pequenas e médias empresas focam-se em quatro fatores:
Tempo até ao valor – quanto demora até ter uma campanha funcional;
Controlo de marca – se as peças respeitam a identidade da marca;
Desempenho mensurável – se melhora custos e resultados face ao que já usam;
Custo total de propriedade (TCO) – subscrição + meios + tempo da equipa.
Se o Open Pro conseguir encurtar o percurso entre briefing e publicação, assegurar a identidade da marca, recomendar otimizações claras e manter um TCO competitivo, poderá conquistar quota mesmo perante rivais mais conhecidos.
O que está em jogo para a WPP
Mais do que um produto, a Open Pro é um sinal estratégico: converter parte do know-how de agência em software escalável, sem diluir o prestígio das suas marcas premium.
O sucesso exigirá equilíbrio — um produto rápido e intuitivo para PME, camadas de serviço que transmitam confiança e pontes para ofertas de maior valor quando o cliente evoluir.
Se a WPP acertar, poderá abrir uma nova via de crescimento incremental e reforçar a sua narrativa de modernização. Se falhar, o terreno — já ocupado por Google, Canva e outros — favorecerá os ecossistemas tecnológicos com melhor preço, notoriedade e distribuição.
Por agora, o mercado observa.
A procura existe — as PME querem velocidade, simplicidade e medição —, mas a concorrência é feroz e os detalhes fazem a diferença: preço, integrações, governação de marca e uma experiência de produto capaz de transformar promessas em resultados verificáveis.