WPP e Google redesenham a web para a era da pesquisa com IA

Durante mais de duas décadas, o marketing digital girou em torno de uma pergunta simples: como aparecer no Google?
Mas essa pergunta acaba de mudar. Na nova era da pesquisa por inteligência artificial, já não se trata de aparecer, mas sim de ser interpretado.

É precisamente esse o objetivo do novo acordo entre a Google e a WPP, anunciado este mês: um projeto que pretende redesenhar os sites das marcas desde a sua estrutura, para que possam ser corretamente compreendidos — e, assim, visíveis — em todos os ambientes de pesquisa baseados em IA, desde os AI Overviews da Google até sistemas como o Perplexity ou o ChatGPT Search.

O fim do SEO clássico

O projeto insere-se na iniciativa “Generative UI” da WPP, um movimento de longo prazo que a agência considera essencial para adaptar o marketing ao novo paradigma da descoberta.
Neste contexto, o SEO tradicional já não basta: os algoritmos de IA não rastreiam palavras-chave, mas sim significados e relações contextuais.

Por isso, a AKQA, filial tecnológica da WPP, está a migrar as bases de dados dos seus clientes de sistemas relacionais clássicos (SQL) para bases de dados vetoriais, uma tecnologia que permite aos modelos de IA “compreender” a informação não por coincidência literal, mas por intenção semântica.

Em vez de procurar a palavra “relógio”, um modelo vetorial pode associar o conceito a “precisão”, “luxo” ou “presente”, dependendo do contexto do utilizador.
A implicação para as marcas é enorme: já não basta escrever conteúdo otimizado para motores de busca. Agora, é preciso estruturar todo o conhecimento corporativo — produtos, valores, história, tom de voz — em formatos que os sistemas de IA consigam absorver, contextualizar e citar.

A nova interface da descoberta

A chamada “Generative Store” será o formato experimental que a WPP e a Google utilizarão para demonstrar esta ideia.
Trata-se de um ambiente web dinâmico que, em vez de depender de menus ou cliques, se adapta às consultas naturais do utilizador: as páginas reconfiguram-se, as fichas de produto reorganizam-se e o conteúdo é apresentado de acordo com a intenção detetada.

O objetivo é que as marcas sejam corretamente representadas quando o utilizador não “procura”, mas pergunta.
Segundo a Adweek, a colaboração faz parte de uma aliança de cinco anos e 400 milhões de dólares entre a Google e a WPP, com um foco claro: preparar as marcas para a transição para um mundo digital mediado por motores de IA.

A WPP obtém ainda acesso antecipado aos modelos de IA generativa da Google, como o Veo (para geração de vídeo) e o Imagen (para criação visual), acelerando a produção de materiais de campanha sem comprometer a consistência da marca.

O que está em jogo: o controlo do contexto

A mudança é profunda. Até agora, o tráfego e a visibilidade online construíam-se sobre um ecossistema mensurável — impressões, cliques, visitas, conversões.
No novo cenário, essas métricas diluem-se.
Quando um utilizador recebe uma resposta completa no painel de IA da Google sem clicar em nada, a quem pertence essa atenção?

As marcas devem começar a pensar não em posicionar-se nos motores de busca, mas em treinar os modelos que irão responder por elas.
Neste sentido, o acordo WPP–Google representa algo mais profundo: o início de uma corrida pelo controlo semântico do branding digital.
Quem controlar a forma como os modelos de IA interpretam a identidade e os dados de uma marca controlará, de facto, a sua relevância futura.

Podemos dizer que o SEO, tal como o conhecíamos, morreu — e o que surge agora é o GEO (Generative Engine Optimization), uma disciplina que a WPP já antecipara e que procura otimizar o que a IA “sabe” sobre uma marca, e não apenas o que mostra.

Os limites da aliança

Contudo, este movimento também levanta questões estratégicas.

Por um lado, a WPP reforça a sua dependência da Google num momento em que o mercado pede maior neutralidade tecnológica.
Por outro, o acesso antecipado aos modelos de IA pode representar uma vantagem temporária, mas também uma cedência de controlo sobre o futuro dos dados de marca.

No fundo, a aliança redefine a relação histórica entre agência e motor de busca.
Durante anos, as agências competiram para “entender o algoritmo”; agora, trabalham com quem o treina.
A paradoxal consequência é clara: a publicidade procura diferenciar-se num ambiente cada vez mais padronizado pela própria tecnologia que o media.

Para lá da Google

Curiosamente, esta estratégia não se limita à Google.
O acordo é descrito como um esforço para “preparar as marcas para todos os motores de pesquisa baseados em IA”, uma declaração que confirma o fim do monopólio cognitivo de um único motor de busca.

Na prática, isto significa que as marcas terão de assegurar consistência entre múltiplos modelos de IA — Gemini, GPT, Claude, Perplexity, entre outros —, o que exige repositórios estruturados e atualizados de conhecimento.

Em outras palavras: os brand guidelines do futuro não serão PDFs com logótipos, mas sim bases de dados vetoriais que explicam às máquinas o que realmente significa a marca.

O acordo entre a Google e a WPP não é apenas um avanço tecnológico: é uma redefinição do ecossistema da visibilidade digital.
O SEO baseado em palavras-chave chegou ao fim.
A nova batalha trava-se no terreno dos significados, dos dados estruturados e dos protocolos de treino da inteligência artificial.

Quem dominar essa camada intermédia entre as marcas e os modelos que as descrevem dominará a próxima década do marketing digital.

Próximo
Próximo

A Netflix deixa a fase de testes: o seu negócio publicitário acelera com a Amazon como catalisador