A PubMatic processa a Google por danos e prejuízos após a sentença antitrust nos EUA

O ecossistema esperava há anos por este momento: um SSP com relevância global dá o passo e processa diretamente a Google por danos e prejuízos. Não se trata de um comunicado de lobby, nem de uma nota de imprensa, nem de um amicus brief de associações de editores. É a PubMatic, empresa cotada no Nasdaq, a colocar em cima da mesa que as práticas reconhecidas como monopolistas pelo DoJ e pela juíza Leonie Brinkema não só prejudicaram a concorrência de forma abstrata, como também limitaram o seu crescimento, a sua quota de mercado e as suas receitas.

Em abril de 2025, o tribunal da Virgínia determinou que a Google manteve ilegalmente monopólios em dois mercados: o do open-web display publisher ad server e o do open-web display ad exchange. Até aqui, a narrativa era clara mas genérica: monopólio, práticas de auto-preferência e distorção do mercado. A novidade é que agora uma empresa concreta, a PubMatic, quantifica esse dano. A sua queixa defende que, sem as barreiras artificiais da Google, teria ganho muito mais leilões, capturado mais quota e gerado mais receitas. E, ao abrigo da lei antitrust norte-americana, os danos que sejam provados podem ser triplicados (treble damages). Estamos potencialmente a falar de milhares de milhões.

As práticas identificadas: anatomia do monopólio
O texto judicial e a queixa coincidem em quatro práticas-chave que qualquer planner que tenha trabalhado com GAM reconhecerá:

  • DFP como portagem obrigatória: para aceder a licitações em tempo real no AdX, o publisher tinha de usar o Ad Server da Google. Integração vertical forçada.

  • First Look: direito preferencial do AdX para comprar impressões antes de qualquer outro exchange.

  • Last Look: visibilidade das licitações rivais no que deveria ser um leilão cego, permitindo ao AdX ganhar por apenas mais um cêntimo.

  • Unified Pricing Rules (UPR): proibição aos publishers de fixarem preços mínimos diferentes para diferentes exchanges, bloqueando a possibilidade de favorecer rivais do AdX.

Estas práticas não são tecnicismos; são mecanismos que, durante mais de uma década, definiram o fluxo de receitas de milhares de publishers e condicionaram a estratégia de compra de todas as agências.

O que significa para as agências e anunciantes
A acusação vai além da PubMatic. Se a Google reduziu artificialmente a capacidade de concorrência dos SSPs independentes, as agências e anunciantes que confiaram num ecossistema “aberto” pagaram CPMs mais elevados do que aqueles que um mercado genuinamente competitivo teria gerado. Dito de outra forma: os custos de meios foram inflacionados por design. Para as Big 6, isto é particularmente incómodo, já que, enquanto defendiam narrativas de “transparência” e “SPO”, continuavam a comprar massivamente através do AdX porque era aí que estava o inventário “garantido” e porque as rotas alternativas estavam estranguladas. Esta ação judicial obriga a repensar o discurso e a prática: o que fizemos realmente para diversificar o supply quando sabíamos que o tabuleiro estava manipulado?

Publishers: a oportunidade de rever a dependência
Para os publishers portugueses e europeus, o caso reforça uma lição crítica: a dependência absoluta do DFP como Ad Server e do AdX como exchange não é uma condição natural de mercado, mas sim o resultado de decisões contratuais e técnicas impostas. A queixa da PubMatic dá legitimidade a qualquer grupo editorial que queira renegociar condições, ponderar migrações para ad servers alternativos ou exigir integrações equitativas.

Impacto na cadeia de valor
Segundo a Bloomberg, se o tribunal conceder indemnizações de valor multibilionário à PubMatic, o efeito em cascata será imediato, já que outros SSPs (Rubicon/Magnite, Index, OpenX) terão incentivos para apresentar queixas semelhantes. Os publishers poderiam exigir à Google compensações por receitas perdidas e as agências, ainda que não sejam demandantes, terão de responder a clientes que questionem porque é que o seu investimento foi canalizado de forma massiva para inventário manipulado. O impacto não será apenas financeiro; será também de confiança. Num ecossistema já fragilizado pela queda do valor da Open Web, um processo deste tipo destaca que parte dessa erosão não foi estrutural, mas sim induzida.

Porque agora?
A resposta dada pela PubMatic é simples: porque a sentença de abril preparou o terreno. O DoJ já fez o trabalho de provar a conduta anticoncorrencial e a PubMatic não tem de voltar a demonstrá-lo: só precisa de provar o dano económico e aí entram os seus próprios dados financeiros, win rates, perdas de quota e crescimento comparativo face a um cenário contrafactual.

O que está em jogo
Para a Google: não apenas a potencial fatura em indemnizações, mas também a possibilidade de os SSPs independentes recuperarem terreno e de se enfraquecer ainda mais o seu controlo da supply chain. Para a PubMatic: passar de ator secundário a símbolo de resistência contra o monopólio, o que pode reforçar a sua posição comercial e bolsista. Para o ecossistema: a possibilidade de se abrir um ciclo de litígios que, somados às medidas de remedies nos EUA e na Europa, redesenhem a estrutura do mercado.

A ação da PubMatic não é um episódio isolado, é a continuação natural de uma decisão judicial histórica e marca a passagem da teoria antitrust para o dano económico real, abrindo um novo capítulo que pode mudar a forma como se distribuem as receitas na programática.

Num ecossistema habituado a conviver com a concentração de poder da Google, este processo lembra que a concorrência não é um slogan, é um direito protegido por lei e que, se os intermediários não a defenderem, serão os tribunais a fazê-lo.

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