As startups apostam na Agentic AI para automatizar o marketing sem perder o controlo humano
O ecossistema de startups de inteligência artificial está a expandir-se a um ritmo que faz lembrar o boom dos podcasts: surgem novas propostas todas as semanas e, precisamente por isso, diferenciar-se tornou-se mais difícil. Em AdTech e MarTech, onde a “nova IA” convive com stacks herdados, walled gardens e processos operacionais pesados, seis empresas emergentes tentam conquistar espaço com uma fórmula repetida nos seus discursos: resolver um problema real vivido na primeira pessoa e manter os humanos ao volante, mesmo quando os sistemas operam com Agentic AI. São declarações e informações recolhidas pela AdExchanger, que falou com os seus fundadores para perceber o que os levou a dar o salto e como estruturam a sua proposta.
A ideia de fundo é clara: a automatização já não compete apenas pela eficiência, mas pela governação. Reduzir fricção, acelerar decisões e melhorar resultados sem transformar a operação de marketing numa caixa negra.
Agnitio.ai: uma camada de Agentic AI contra a fragmentação do stack
A Agnitio.ai, fundada por Aubriana Lopez juntamente com Eric Shaffer e o engenheiro Sagiv Ben Yakov, nasce com um inimigo bem definido: a fragmentação. Lopez chega a esta tese após um percurso que passa por location intelligence e IP data (Digital Element) e por uma fase como responsável de data e global product marketing na Samsung Ads, segundo reconstrói a AdExchanger.
A Agnitio apresenta-se como uma plataforma de Agentic AI que liga ferramentas e plataformas “dispares” através de APIs e agentes próprios, com o objectivo de unificar todo o journey publicitário: curadoria de audiências, alocação de investimento, activação e medição. Na prática, a proposta combina duas promessas que muitas vezes entram em choque: automatização end-to-end e consolidação dos dados de marca num único ambiente, para reduzir tempos de lançamento e de reporting. Lopez sublinha um posicionamento “LLM-agnostic”, suportado por uma combinação variável de modelos fundacionais, modelos específicos de domínio e frameworks proprietários de agentes.
A mensagem não passa por substituir equipas, mas por cortar trabalho manual e acelerar a leitura de sinais para decisões mais rápidas. Num mercado onde “chegar a insights” ainda pode demorar semanas, o argumento é que a IA deveria transformar dados em decisões operacionais com muito menos fricção.
Chalice: algoritmos próprios para deixar de “obedecer” às plataformas
A Chalice segue uma linha diferente: não tenta substituir o stack, mas injectar inteligência própria dentro da compra de meios. Cofundada por Ali Manning (ex-Google e Snap) e Adam Heimlich, a empresa parte de uma crítica directa à falta de personalização real dentro das plataformas: sem algoritmos próprios, as marcas ficam dependentes de objectivos e optimizações que nem sempre alinham com o seu negócio, de acordo com as declarações recolhidas pela AdExchanger.
A Chalice implementa modelos de IA personalizados no media buy para prever o valor de uma impressão e, assim, optimizar licitações e decisões de investimento com uma lógica mais orientada para outcomes. Manning defende o valor do first-party data como vantagem competitiva: não apenas para identificar audiências, mas para antecipar propensão à compra, janelas de intenção e eficiência real.
A empresa afirma processar sinais de first- e third-party data e combiná-los em mais de 20 modelos internos, construindo um “uber-model” capaz de prever desde o preço esperado da impressão até à disponibilidade de inventário. Cinco anos após o lançamento (2020), a Chalice já opera em múltiplas DSPs e plataformas sociais e conta também com integrações directas com publishers. Manning acrescenta dois elementos que procuram reforçar credibilidade num ambiente saturado de claims: a empresa define-se como AI-native “antes de a IA se tornar uma tendência global” e afirma acumular dois anos de rentabilidade. Aponta ainda para o viés estrutural do venture capital — apenas 2% do financiamento vai para fundadoras — posicionando a Chalice como uma anomalia estatística num mercado historicamente desigual.
mktg.ai: normalizar dados e voltar a olhar para o “porquê” da impressão
A proposta da mktg.ai, criada por Kevin Wassong, regressa a um problema recorrente: demasiadas fontes de dados, métricas inconsistentes e uma operação que privilegia volume em detrimento de aprendizagem. Wassong recupera uma ideia que, segundo conta à AdExchanger, já tinha apresentado à WPP há 25 anos: equipas de marketing capazes de evoluir continuamente, detectando padrões históricos nas suas campanhas.
A plataforma agrega resultados num dashboard, normaliza métricas via API e permite comparar assets por campanha, formato ou plataforma. A interface classifica criativos com códigos visuais (verde/amarelo/vermelho) consoante o desempenho em atributos como custo e CTR, e dispara alertas gerados por IA em tempo real sobre o que está — ou não — a funcionar, incluindo cliques e conversões.
O ponto de vista de Wassong é provocador e muito alinhado com o debate sobre criatividade: a indústria obcecou-se com impressões e esqueceu “o que faz uma impressão funcionar”. Atribui até 70% do sucesso à criatividade e critica o “mar de lixo” que se agrava quando a geração automática não respeita guidelines de marca. Ainda assim, o seu enfoque mantém o princípio do controlo humano: a IA sugere, prioriza e alerta; as decisões finais continuam a pertencer à equipa.
SmartAssets: IA para compreender o que torna um asset criativo “eficaz”
A SmartAssets (cofundada por Lindsay Hong com Eric Walzthöny Kreutzberg e Vitaly Boitelet) adopta uma abordagem quase forense à criatividade: usar histórico de campanhas e modelação para identificar os traços que explicam a performance. A empresa foi lançada em 2023 após vencer uma competição de inovação da Stagwell, prémio que incluiu 1 milhão de dólares de financiamento e uma aquisição por parte do grupo, segundo informação recolhida pela AdExchanger.
A SmartAssets integra LLMs na sua plataforma para detectar que características aparecem nos anúncios top performers de uma marca, medindo-as face a KPIs como CTR ou tempo de visualização. O valor está em captar tanto o óbvio como o invisível: desde erros de execução (logótipo por baixo do botão “skip”, demasiado tempo sem explicar o produto) até correlações menos evidentes que o olhar humano dificilmente detecta (determinados fundos, objectos ou composições que melhoram o custo por lead).
Hong insiste que não se trata de perseguir centenas de variáveis, mas de escolher as que realmente movem impacto e convertê-las em decisões accionáveis. Após sugerir ajustes, o anunciante pode aplicá-los com pequenas alterações ou escalar a recomendação para a sua equipa criativa. A fundadora compara a IA aplicada ao marketing aos primeiros GPS: útil, mas perigosa se seguida “sem pensar”; a supervisão humana é o travão de segurança.
Nativeads.ai: “alma de marca” e DCO dentro do mesmo loop
A Nativeads.ai, liderada por Al Kallel, aponta para um limite clássico dos modelos generalistas: são bons a reconhecer padrões médios, mas fracos a captar a “essência de marca”. A sua proposta, segundo explica Kallel à AdExchanger, passa por treinar modelos com os activos de campanha do anunciante (brief, imagens de produto e criativos anteriores) para gerar peças brand-specific com consistência de cor, composição, colocação de produto e detalhes hiper-realistas (sombras, iluminação, etc.), optimizando essas peças em função da performance.
Kallel compara o enfoque a um DCO “com esteróides”: geração e optimização vivem no mesmo stack, criando um loop de feedback contínuo que refina criativos com base em resultados. Ao nível da estratégia tecnológica, a startup evita construir um LLM de raiz, por questões de custo, preferindo assentar o seu software sobre os modelos existentes que melhor performam em cada momento, ajustando essa base “semana a semana”, se necessário.
Eulerity: automatizar marketing para o long tail local
A última empresa, a Eulerity, distingue-se pelo tipo de cliente que serve. Cofundada por Tanuj Joshi (CEO), Adam Chandler (COO) e Joe Ciaramitaro, o seu foco está em anunciantes locais com recursos limitados: franchisings, sucursais regionais de grandes empresas ou negócios com necessidade de ofertas e mensagens hiper-locais, segundo relatam os seus responsáveis à AdExchanger.
A Eulerity automatiza a criação de campanhas e cobre todo o processo: criatividade, planeamento de meios, medição e até respostas a reviews. Combina modelos da Hugging Face com modelos Gemini treinados à medida. A empresa foi incubada em 2018, afirma ter atingido rentabilidade pouco depois do lançamento, em 2019, e liga o crescimento recente a um fenómeno chave: quando o ChatGPT “consumerizou” a IA no final de 2022, a adopção deixou de parecer experimental e muitos marketers começaram a testar ferramentas como a Eulerity com menos barreiras psicológicas.
Um sinal comum: mais IA, mas com governação e propósito
As seis propostas actuam em segmentos distintos (orquestração com Agentic AI, modelos à medida, normalização de dados, eficácia criativa, geração brand-specific e automatização para o long tail local), mas partilham um fio condutor: a IA não pode ser apenas velocidade. Tem de se traduzir em decisões mais inteligentes, sem diluir accountability, sem perder consistência de marca e sem transformar o investimento num sistema opaco.
Num mercado onde a fragmentação continua a ser estrutural e a criatividade regressa ao centro como alavanca de performance, estas startups reflectem uma tendência em crescimento: a “IA útil” não promete magia. Promete reduzir trabalho manual, capturar aprendizagem e elevar a qualidade das decisões… sem retirar as pessoas do circuito.

