A inteligência artificial acelera o adeus ao modelo de horas faturáveis nas agências

A inteligência artificial acelera o adeus ao modelo de horas faturáveis nas agências

Num contexto em que a inteligência artificial está a revolucionar os processos criativos e operacionais da indústria publicitária, a S4 Capital — o grupo fundado por Sir Martin Sorrell — deu um passo estratégico fundamental: abandonar progressivamente o modelo tradicional de faturação por horas e adotar estruturas baseadas em outputs. Uma decisão que responde não só às capacidades emergentes da IA, mas também às novas exigências dos anunciantes.

“Se a IA reduz em 20% o tempo necessário para gerir meios, os clientes já se perguntam se as tarifas também não deveriam cair 20%. A expectativa existe e as agências têm de se adaptar ou ficar para trás”, afirmou Sorrell na semana passada, segundo o Digiday.

Durante décadas, o modelo dominante na indústria criativa e de meios foi a faturação por horas — um sistema que monetiza o tempo e a mão de obra dedicados a cada conta. No entanto, a chegada de ferramentas de IA generativa, automatização de fluxos de trabalho e produção assistida por algoritmos está a acelerar uma transformação inevitável.

A S4 já trabalha com esquemas híbridos, que combinam honorários com base no pessoal alocado (FTEs) com compensações baseadas na quantidade e qualidade dos ativos entregues. Esta mudança não é apenas conceptual: afeta diretamente os rendimentos, as margens e a forma como são estruturados os contratos e as equipas.

“Estamos a ver novos modelos de negócio. O tempo encurta, e por isso é preciso começar a desenvolver modelos baseados em outputs”, insistiu Sorrell perante analistas.

A IA como catalisador da mudança

Embora ainda numa fase inicial, a IA já tem impacto no dia a dia da S4 Capital. O grupo começou a aplicar inteligência artificial em tarefas como produção criativa, geração de conteúdos, testes de assets e análise de audiências — sobretudo em projetos-piloto, workshops e auditorias para os seus clientes.

Sorrell apontou como exemplo casos de sucesso com marcas como a Puma, onde a incorporação de IA permitiu reduzir significativamente o tempo e os custos de produção, sem comprometer a qualidade. “Em apenas dois ou três meses, conseguimos uma melhoria considerável nos padrões de qualidade graças à IA”, afirmou.

Ainda assim, a adoção generalizada continua limitada. A maioria dos CMOs explora a IA de forma táctica (e não estratégica), procurando eficiências pontuais em vez de uma reinvenção completa do modelo operativo. Mas essa transformação, embora lenta, parece inevitável.

O risco: perder receita. A oportunidade: escalar os outputs

Uma das grandes dúvidas do setor é se a automatização acabará por corroer as receitas das agências. Se o tempo dedicado a tarefas for drasticamente reduzido, o valor percebido também diminui? “Pode ser que o preço por ativo baixe, mas a quantidade de ativos vai crescer exponencialmente. E isso aumentará a receita total”, explica Sorrell.

Ou seja, a IA não elimina o negócio — multiplica-o para quem souber escalar. Este novo paradigma está também a redefinir a relação entre agências e anunciantes. Segundo Sorrell, o modelo tradicional de “agency of record” está em vias de extinção. No seu lugar surgirão agências mais pequenas, modulares e orientadas para a entrega, mais ágeis e eficientes graças ao uso de IA.

E não é apenas uma opinião. Marcy Quinn Samet, CMO da consultora LBRB Collective, sublinha que a IA está a forçar as marcas a repensar aquilo que realmente estão a pagar. “Valor e resultados, não horas, devem ser o eixo central dos novos modelos de compensação”, comenta Quinn. Isso implica também redefinir o talento, a participação e a forma de construir equipas — centrando-se nas contribuições estratégicas e no conhecimento especializado, em vez do volume de tarefas operacionais. Até cláusulas herdadas como as non-competes estão a ser questionadas, por limitarem a inovação e a mobilidade do talento no setor.

Sorrell sublinha que a S4 Capital está melhor posicionada do que os grandes grupos tradicionais para enfrentar esta transformação. Enquanto muitos holdings continuam presos a modelos legacy, dependentes de meios tradicionais e estruturas pesadas, a S4 aposta em meios digitais, conteúdo modular e tecnologia aplicada em escala.

“A eficiência será ainda mais crítica no cenário pós-tarifas. E isso representa uma enorme oportunidade para nós enquanto disruptores”, afirmou o executivo, com o seu habitual tom desafiante face às redes que ele próprio ajudou a construir no passado.

A decisão da S4 Capital não é apenas táctica — é simbólica. Marca um antes e um depois na economia das agências. A IA não é apenas uma ferramenta de eficiência: é um detonador que obriga a repensar o que significa “valor” no marketing moderno. Quem souber adaptar-se a esta nova lógica (mais outputs, menos horas; mais talento, menos processos) terá não apenas uma vantagem competitiva, mas também uma nova narrativa com que conquistar o futuro.

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