Magnite e The Trade Desk: diplomacia programática em tempos de desintermediação

O ecossistema programático é, no fundo, um jogo de poder: quem controla o acesso ao inventário, quem define o fluxo de dados e quem detém a camada de decisão.
Por isso, sempre que a The Trade Desk move uma peça, o resto dos jogadores mede o impacto em silêncio.
E, no caso da Magnite — o maior SSP independente do mercado — esse silêncio veio acompanhado de um sorriso diplomático.

Na conferência de apresentação de resultados do terceiro trimestre, Michael Barrett, CEO da Magnite, quis afastar dúvidas:

“Pintam-nos como o contraponto da The Trade Desk, mas 99% do que o Jeff [Green] faz é brilhante. Estamos totalmente a favor de limpar o sistema.”

Uma mensagem calculada — porque quando o DSP mais influente do mundo lança o OpenPath, uma rede que permite aos anunciantes comprar diretamente aos publishers sem passar pelos SSPs tradicionais, o modelo de negócio da Magnite (e de todo o lado sell) fica em causa.

O contexto: a reconfiguração do supply path

Há meses que a The Trade Desk aplica uma política mais agressiva de otimização de rotas (SPO).
Na prática, isso significa rotular todos os SSPs como “revendedores” e priorizar o seu canal direto, o OpenPath.
A mensagem oficial é “menos intermediários, mais eficiência”; a real é “mais controlo sobre a cadeia de valor”.

Apesar disso, Barrett evitou o confronto.
Segundo explicou aos investidores, a Magnite já renegociou acordos com as principais agências para manter-se como rota preferencial, neutralizando parte do impacto potencial.
O resultado: calma tensa, mas sem fuga de receitas.

Os números por trás do discurso

Os números ajudam a manter a compostura.
A Magnite encerrou o terceiro trimestre com 179,5 milhões de dólares de faturação, um crescimento de 11% face ao ano anterior, superando as previsões.

  • CTV continua a ser o principal motor: 75,8 milhões de dólares, com um crescimento de 18% (ou 25% se excluído o gasto político).

  • DV+ (display e vídeo fora da CTV) cresceu 7%, impulsionado pelo formato áudio, o de maior expansão.

A empresa destacou ainda as suas alianças estratégicas com a Netflix, a Roku e a Warner Bros. Discovery, onde atua como infraestrutura tecnológica de referência:
— com a Netflix, integrada no ecossistema Netflix Ads Suite;
— com a Roku, através do Roku Exchange;
— e com a WBD, via NEO, a nova plataforma publicitária do grupo.

Barrett sublinhou também a importância do SpringServe, o Ad Server da Magnite, como vantagem competitiva face a outros SSPs.
Num contexto em que os publishers procuram independência, ter tecnologia própria de serving publicitário é uma carta estratégica que reforça a sua posição.

Magnite e a IA: a integração silenciosa

De acordo com a AdExchanger, a empresa começou a alinhar a sua estratégia com a onda da IA generativa.
Em setembro, adquiriu a Streamr.ai, uma startup que utiliza inteligência artificial para ajudar pequenas empresas a produzir e otimizar campanhas de CTV.

A tecnologia da Streamr baseia-se no Model Context Protocol (MCP) — o mesmo quadro sobre o qual assenta o Advertising Context Protocol (AdCP), uma arquitetura aberta desenhada para compra e otimização mediadas por agentes de IA.

Barrett adiantou que a Magnite integrará estas capacidades na ClearLine, a sua plataforma de conexão direta com anunciantes, o que poderá torná-la um ator relevante no futuro das transações agênticas.

Não há ruído nem promessas grandiosas, mas o movimento é estratégico: a Magnite prepara a transição de um SSP clássico para uma infraestrutura híbrida, onde agentes automáticos poderão negociar inventário sem intervenção humana.

Cortesia com a The Trade Desk, distância com a Google

Enquanto Barrett exibia cordialidade para com a The Trade Desk, o tom foi bem mais duro ao falar da Google.
Em setembro, a Magnite avançou com um processo antitrust contra o gigante de Mountain View, acusando-o de práticas que distorsionam a concorrência e prejudicam os atores independentes do mercado publicitário.

Barrett foi claro:

“Qualquer decisão que elimine a auto-preferência da Google será uma grande vitória para o open internet.”

A ironia é evidente: enquanto o setor se concentra no conflito entre SSPs e DSPs, o verdadeiro campo de batalha continua a ser o controlo estrutural que a Google exerce sobre a infraestrutura publicitária global.

O otimismo da Magnite assenta, em parte, na expectativa de que o processo judicial do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ) imponha remédios que limitem esse domínio.

Uma trégua temporária numa guerra estrutural

A Magnite conseguiu salvar o trimestre com solidez e manter o seu discurso de independência, mas sob a diplomacia esconde-se uma realidade: o modelo dos SSPs está em revisão.

Embora o OpenPath não seja um ataque direto, representa uma reconfiguração do equilíbrio de poder.
Se o mercado aceitar a compra direta como novo padrão, os SSPs terão de justificar o seu valor através de tecnologia, não de intermediação.

A resposta da Magnite — reforçar a camada de serviço (SpringServe), diversificar receitas em CTV e explorar IA — soa mais a evolução do que a defesa.
E, nesse sentido, Barrett tem razão: não há uma guerra aberta, apenas um reajuste silencioso que definirá quem continua essencial no novo mapa do ecossistema programático.

O discurso oficial diz que a Magnite “não está irritada” com a The Trade Desk — mas, na história recente da programática, as rutura raramente se anunciam com gritos; fazem-se com integrações de API.

A The Trade Desk limpa o caminho para o seu Open Internet, e a Magnite, por agora, sorri enquanto constrói o seu. Ambas sabem que o futuro do supply path não será decidido por palavras, mas pelo fluxo do bidstream.

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