O primeiro relatório europeu da IAB sobre addressability revela progressos desiguais e pede maior normalização
A transição para um ecossistema publicitário “privacy-first” já não é um cenário distante, mas uma realidade que molda todas as decisões de compra, venda e medição no digital. É neste contexto que a IAB Europe publica o seu primeiro relatório paneuropeu sobre Adoção de Soluções de Addressability e Medição, elaborado pelo seu Addressability & Measurement Working Group, oferecendo uma fotografia bastante precisa do verdadeiro estado da indústria — e do que falta para dar o próximo salto.
O estudo baseia-se num inquérito a mais de 79 anunciantes, agências, publishers e fornecedores tecnológicos de mais de 27 mercados europeus, analisando tanto o nível de conhecimento como o grau de adoção de diferentes soluções, os benefícios percebidos e as barreiras que ainda travam o seu desenvolvimento.
Um dos primeiros dados relevantes: quase 9 em cada 10 participantes afirmam estar pelo menos “moderadamente familiarizados” com o conceito de addressability na publicidade digital, e cerca de 20% consideram-se mesmo “especialistas”. No entanto, a fotografia muda substancialmente quando se analisa por tipo de player:
AdTech e agências concentram a maioria dos perfis “avançados” ou “especialistas”.
Os anunciantes praticamente não dispõem de especialistas além de um conhecimento intermédio, o que limita a sua capacidade de avaliar, exigir ou co-desenhar soluções mais complexas de identidade e medição.
O relatório destaca ainda que os profissionais com funções mais técnicas (programmatic, engenharia, produto) são os que mais frequentemente se classificam como especialistas, enquanto nos cargos de negócio ou marketing estratégico a perceção de domínio é mais baixa. Além disso, organizações com menores orçamentos de investimento publicitário admitem menor expertise e menos recursos dedicados — dependendo de um conjunto mais restrito de plataformas e soluções, o que aprofunda a distância entre grandes players e empresas mais pequenas.
Três grandes frentes: dados cross-platform, regulação e perda de sinais
Quando questionados sobre os principais desafios da addressability hoje, os inquiridos apresentam um ranking claro:
Acesso a dados cross-platform e transparência (68%), o desafio número um.
Regulação de privacidade (58%), com impacto significativo no compliance e no desenho dos fluxos de dados.
Perda de sinais com o desaparecimento das cookies (48%), que obriga a redesenhar estratégias de segmentação e medição.
Estas preocupações variam consoante o papel no ecossistema:
No lado da compra (anunciantes e agências), domina a preocupação com dados cross-device e cross-canal, bem como com as limitações na medição.
Os publishers reportam um maior número de desafios — algo lógico, considerando que addressability e medição são o núcleo do seu modelo de negócio.
O que já se usa: first-party, DCRs, Unified ID e contextual
Na prática, que tecnologias de ID e addressability estão hoje mais disseminadas? Segundo o relatório:
First-party data e cookies (58%)
Endereços IP (50%)
Third-Party Cookies (45%)
Identificadores de publisher (45%) e hashed emails (43%)
A isto juntam-se outras camadas de soluções onde há uma aceleração clara:
Mais de 50% das organizações já estão a adotar ou testar Data Clean Rooms e soluções de Unified ID, que se afirmam como tecnologias chave.
Contextual data (46%), Seller-Defined Audiences (38%) e Customer Match (36%) apresentam também níveis de adoção significativos.
Diferenças por tipo de player:
O lado da compra inclina-se para soluções de ativação, como Customer Match, cohortes probabilísticas e iniciativas ID-less baseadas em modelos.
Os publishers apostam sobretudo em first-party data, IDs próprios e contextuais — reforçando o controlo sobre a relação com a audiência.
Em termos de ambientes, as soluções de addressability são usadas principalmente em desktop web, seguidas de mobile web e apps. DOOH e in-game continuam com níveis baixos, e o Retail Media surge como emergente, ainda longe da massificação.
Quando se analisa o desempenho destas soluções (escala 1-5), destacam-se pela capacidade de:
Suportar o frequency capping (3,70)
Aumentar o tamanho da audiência direccionável (3,52)
Facilitar a ativação de audiências (3,45)
Gerar incremental reach (3,19)
Medição: muita confiança declarada, mas dependência de KPIs tradicionais
O relatório identifica uma contradição: mais de 70% dos inquiridos afirmam ser “muito familiares” ou “especialistas” em medição num contexto privacy-first — especialmente no lado da compra (75%) versus o lado da venda (53,3%). Mas quando se observa o que realmente se usa, o panorama mantém-se tradicional:
94% continuam a basear a avaliação em métricas de meios (impressões, cliques, views…)
86% dependem de métricas de campanha (CPA, ROAS, conversões diretas)
Métodos mais avançados — engagement qualitativo, atribuição modelizada, brand lift — despertam interesse crescente (50–65%), mas ainda não são mainstream.
Nas soluções “privacy-safe”, Media Mix Modelling (MMM) e Reach Estimation rondam os 45–46% de adoção, mas com penetração desigual conforme o tamanho e tipo de organização.
As principais barreiras citadas para avançar em medição:
Atribuição sem cookies (53%), dificultando a ligação entre impacto publicitário e resultados de negócio.
Falta de estandardização (58%), que impede comparar campanhas, canais e parceiros com critérios comuns.
Os perfis de negócio estão especialmente preocupados com a ausência de standards partilhados, enquanto os gestores de campanha destacam as dificuldades na atribuição cookie-less e no tracking cross-device.
O que a indústria pede: standards, interoperabilidade, transparência e educação
Quando questionados sobre o que é necessário para avançar, a resposta é clara:
Desenvolvimento de standards de indústria e guias comuns (72%)
Mais transparência para o consumidor (59%)
Mais iniciativas educativas (56%)
Melhor interoperabilidade (56%) entre soluções e plataformas
A IAB Europe adianta ainda que a sua Comissão de Medição está a desenvolver um “Solution Mapping”, um mapa prático de ferramentas, casos de uso e recomendações, pensado para melhorar a visibilidade do ecossistema e reduzir a atual fragmentação.
Um ecossistema que avança — mas não ao mesmo ritmo
Em síntese, o relatório retrata um mercado europeu que já internalizou o fim das third-party cookies e a centralidade da privacidade como enquadramento obrigatório. As soluções de addressability e medição — DCRs, Unified IDs, MMM, contextuais, seller-defined audiences — estão a ser adotadas, mas de forma desigual por função, dimensão e país.
Mostra também um mercado ainda ancorado em KPIs tradicionais, enquanto os métodos agregados e modelizados avançam, mas sem escala suficiente. E evidencia uma exigência crescente por standards, interoperabilidade e formação, para permitir que estas novas abordagens possam crescer sem perder comparabilidade nem transparência.
A mensagem final é inequívoca: a direção está certa, mas o percurso vai a meio. Quem conseguir combinar talento, dados próprios, tecnologia interoperável e medição privacy-safe terá uma vantagem competitiva clara na próxima fase da publicidade digital na Europa.

