Publishers alertam que o ‘Omnibus’ acrescenta obrigações, mas não melhora a monetização baseada em dados
Os publishers europeus reagiram com preocupação ao conteúdo do Digital Omnibus, publicado a 19 de novembro de 2025 — uma proposta que Bruxelas apresenta como forma de simplificar o labirinto regulatório digital. No setor editorial, porém, a leitura é substancialmente menos otimista: longe de clarificar o enquadramento do consentimento ou reduzir a pressão operacional, o texto é interpretado como um ajuste superficial que mantém intacta a lógica de fundo e acrescenta novas exigências suscetíveis de tornar ainda mais complexa a rentabilidade do modelo publicitário assente em dados.
Uma parte do mal-estar nasce da perceção de que a proposta não traz benefícios práticos para quem sustenta modelos de conteúdo gratuito financiado por publicidade. Da parte da News Media Europe — que representa mais de 2.700 marcas de informação — o seu responsável de políticas, Iacob Gammeltoft, argumenta que a anunciada “simplificação” não se traduz em vantagens concretas para os media e que o resultado pode até ser contraproducente ao adicionar requisitos adicionais de gestão de consentimento. Na prática, a promessa de reduzir fricções esbate-se quando o objetivo parece apenas deslocar o problema, em vez de o resolver na raiz.
Consentimento a nível de navegador: simplificação ou perda de controlo?
O ponto mais inquietante para os publishers é a opção de configurar o consentimento ao nível do navegador ou do dispositivo. Em teoria, permitir que o utilizador defina uma preferência única e transversal poderia reduzir a fadiga de banners e a multiplicidade de interfaces. Para os publishers, porém, esse mecanismo implica ceder uma camada crucial da relação com o utilizador a players externos — Chrome, Safari, Firefox ou os sistemas operativos móveis — com incentivos próprios e enorme poder de desenho de interface. O receio: que o gesto de recusa se torne uma decisão “para sempre” à escala da web, reduzindo a disponibilidade de sinal e empurrando anunciantes para os walled gardens com maior base de utilizadores autenticados.
Bert Verschelde, diretor de privacidade da DPG Media, sublinha ao Digiday que os rácios de consentimento dependem fortemente da forma como a escolha é apresentada. Se os navegadores adotarem posturas mais restritivas, o impacto nos media poderá ser relevante. E embora o Omnibus mencione a possibilidade de exceções para serviços de media, os publishers duvidam que o ecossistema AdTech queira assumir a responsabilidade de determinar quem se qualifica como tal, sem arriscar consequências regulatórias. Resultado: abre-se um novo campo de ambiguidade jurídica em vez de encerrar o anterior.
Consentimento com um clique: simplificar ou fragilizar a open web?
O segundo eixo de fricção é a aposta num consentimento de um clique para aceitar ou rejeitar cookies. A medida pretende uniformizar uma experiência fragmentada. Mas os publishers recordam que simplificar a recusa sem enquadrar adequadamente o uso de tecnologias de baixo risco pode deixar a open web com menos instrumentos para funções essenciais — desde medição e controlo de frequência até prevenção de fraude ou mitigação de fadiga publicitária. Num cenário em que cada ponto de sinal conta, perder margem nestas funções poderá degradar performance, eficiência e, em última instância, receitas.
No conjunto, os publishers consideram que o Digital Omnibus não corrige a assimetria estrutural entre ecossistemas abertos e fechados. Enquanto as grandes plataformas podem continuar a explorar dados em ambientes logados e controlados, os media ficariam expostos a uma lógica de consentimento mais rígida e dependente de intermediários tecnológicos. A consequência, na visão do setor, seria uma transferência indireta de poder para navegadores e walled gardens — precisamente no momento em que os publishers precisam de mais ferramentas (e não menos) para sustentar o jornalismo e o conteúdo de qualidade na Europa.
Enquanto se aguarda a evolução do texto no processo político, o recado dos publishers é inequívoco: a proposta não configura uma reforma estrutural do modelo europeu de consentimento, mas sim uma alteração de interface e de ponto de controlo. E se o utilizador e o dado são o centro da nova competição digital, os publishers receiam que esta versão do Omnibus os deixe a competir com menos autonomia, menos sinal e mais incerteza regulatória do que antes da tentativa de “arranjo”.

