O encerramento da Xandr Invest marca o início de uma nova era para a programática
O anúncio do encerramento da Xandr Invest, o DSP da Microsoft anteriormente conhecido como AppNexus, representa um ponto de viragem no setor da programática. Mais do que o fim de um produto, trata-se do encerramento de uma etapa fundacional que ajudou a definir a infraestrutura, os padrões e a linguagem do ecossistema digital ao longo de mais de 15 anos.
O encerramento (que entrará em vigor em fevereiro de 2026) representa o fim de uma era marcada por plataformas tecnológicas dominantes e consolidadas, e assinala o início de um novo ciclo, moldado pela inteligência artificial, pela expansão dos media addressable e pela reconfiguração do papel dos publishers.
A AppNexus, juntamente com a MediaMath, foi um dos pilares do nascimento da programática. O seu legado é imenso: desde os primeiros leilões RTB até à consolidação de padrões de bidding e atribuição. O seu desaparecimento, tal como o de outros players fundacionais, reflete uma transformação profunda na indústria, que passa da estabilidade para a aceleração.
Em vez de procurarem escala a todo o custo, os anunciantes exigem agora transparência, controlo e resultados. E isso implica afastar-se de plataformas herdadas e adotar soluções desenhadas de raiz para um ecossistema mais fragmentado, onde a CTV, o áudio digital, o Retail Media e o gaming exigem capacidades contextuais, adaptativas e multiplataforma.
Microsoft: mais IA, menos Open Web
Para alguns, este encerramento pode ser visto como um recuo da Microsoft no universo programático. Mas a empresa insiste que se trata de uma mudança estratégica: deixar de operar um DSP tradicional permite-lhe concentrar-se na sua infraestrutura de publicidade nativa, priorizando modelos "mais privados e conversacionais" dentro do seu próprio ecossistema (Bing, LinkedIn, Xbox, etc.).
Segundo Kya Sainsbury-Carter, vice-presidente corporativa da Microsoft Advertising, declarou à The Drum, o modelo clássico de DSP já não se alinha com os objetivos da empresa. O foco está agora numa nova arquitetura baseada em IA, commerce e envolvimento direto com as audiências. A partir de agora, os anunciantes continuarão a ter acesso a inventário através de terceiros, mas a Microsoft reservará os seus próprios ativos para operações mais controladas e rentáveis.
A grande incógnita que paira sobre o setor é o que acontecerá com os ativos que a Microsoft adquiriu à AT&T por cerca de mil milhões de dólares em 2022. A Xandr Monetize, a SSP herdada da AppNexus, continuará operacional, mas alguns analistas questionam se a Microsoft acabará por desinvestir completamente do stack programático herdado. A manutenção parcial do server-side sugere que a Microsoft pretende continuar a obter sinal de valor da Open Web, embora sem assumir os riscos associados à sua gestão direta.
Uma oportunidade para os independentes… com nuances
A saída de um player como a Microsoft abre oportunidades para DSPs independentes como The Trade Desk, Adform ou Adlook, que agora poderão absorver parte do negócio. No entanto, nem tudo é tão simples. Alguns compradores seguirão o caminho de menor resistência e continuarão a apostar em plataformas já consolidadas, em vez de procurar novas alternativas.
Além disso, a batalha pelo controlo está a deslocar-se para o lado dos publishers. A ascensão da ‘curation’ como vantagem competitiva e o investimento em ferramentas de ativação a partir das SSPs está a esbater as fronteiras tradicionais entre comprador e vendedor. Como sublinha Zach Rosen, fundador da Supvernova, “as decisões sobre as audiências estão a passar para o lado da oferta”, o que reforça o poder dos publishers como curadores do seu próprio inventário e gestores diretos do valor das suas audiências.
Google, o próximo?
Jeff Green, CEO da The Trade Desk, foi claro durante o evento DMS da LUMA: o processo antitrust contra a Google pode forçar a empresa a tomar decisões semelhantes. “Ou alinham com a concorrência na Open Web ou reforçam o seu modelo de walled garden, como faz a Meta”, afirmou o executivo. Para Green, o modelo híbrido da Google (YouTube + ecossistema aberto) já não é sustentável. E a sua comparação com a era Ballmer da Microsoft sugere que a liderança de Sundar Pichai enfrenta uma encruzilhada crítica: se não houver monetização na Search, não há Google.
O que está a acontecer com a Microsoft não é um caso isolado, mas sim parte de uma mudança estrutural mais profunda. A publicidade digital está a evoluir para um ambiente onde a identidade dá lugar ao contexto, a automatização à personalização e onde os publishers recuperam protagonismo como ativadores de audiências em ambientes seguros, eficientes e mensuráveis.
Em vez de construir novas camadas sobre sistemas obsoletos, a indústria tem agora a oportunidade de repensar toda a arquitetura: plataformas mais leves, programática sem IDs, ativação a partir do lado da oferta e IA aplicada ao design adaptativo de experiências publicitárias.
O encerramento da Xandr não é uma retirada, é uma redistribuição de forças. E o futuro da programática será definido não apenas por quem compra, mas por quem orquestra o valor — e como o entrega.