As agências pressionam por maior transparência em CTV e exigem controlo real sobre o inventário
A transparência na compra de CTV voltou a ser um dos temas mais sensíveis no mais recente Digiday Programmatic Marketing Summit, realizado em Nova Orleães. Longe de ser um conceito abstracto, para muitas agências continua a significar algo muito concreto: saber exactamente em que conteúdos aparece uma campanha, qual o preço real a que está a ser comprada e que rotas de inventário estão a ser utilizadas para chegar a plataformas como a Netflix, a Hulu ou o YouTube. Vários responsáveis de Programmatic, tanto de forma anónima como em sessões públicas, resumiram o estado actual com bastante clareza: a indústria evoluiu em escala e sofisticação, mas o nível de visibilidade sobre o inventário de CTV continua a ser muito desigual, dependendo do fornecedor, do tipo de acordo e do caminho tecnológico escolhido.
Controlo de inventário e “AI slop”
Um dos pontos onde a frustração é mais evidente prende-se com o acesso ao detalhe do inventário. Alguns executivos garantem que, em muitas operações, continua a ser difícil saber em que episódio ou conteúdo específico uma campanha é exibida, ou ter uma visão clara do pricing para além de pacotes agregados. Outros, no entanto, começam a encontrar formas de recuperar parte desse controlo. No caso de grandes anunciantes com volumes elevados, algumas agências conseguiram segmentar com maior precisão que parte do investimento vai para live sports, que parte para ambientes do tipo run of network e como o orçamento se distribui entre os diferentes publishers incluídos nas listas de inventário de CTV. A Hulu foi um dos exemplos referidos como um ambiente onde estes splits já estão a ser afinados.
A esta preocupação com o controlo junta-se uma nova frente: a proliferação de “AI slop”, ou seja, inventário de vídeo gerado de forma massiva por inteligência artificial e de baixa qualidade. A PMG referiu que, em medições recentes no YouTube, até 5% das impressões analisadas estavam a ser servidas neste tipo de conteúdos e que 70% desse inventário tinha sido publicado nos últimos 30 dias. Um crescimento acelerado que obriga a um reforço significativo dos filtros de inventário e das políticas de brand safety.
A boa notícia, segundo a PMG, é que cerca de 80% do inventário de CTV é actualmente servido a partir de dois grandes ad servers para publishers (FreeWheel, da Comcast, e SpringServe, da Magnite). A ligação às suas ferramentas de curation permite às agências construir deals muito específicos (por exemplo, apenas para o “Monday Night Football” da ESPN, num horário concreto) e activá-los em múltiplos DSPs com a mesma lógica de inventário, sem depender de pacotes mais caros curados por terceiros.
PMPs, DSPs e o caso Netflix
A escolha do caminho de compra é outro ponto crítico. Muitos dos grandes acordos de CTV continuam a ser fechados via PMPs ou pacotes directos, fora da subasta aberta, porque permitem manter maior controlo sobre o target, a decisão de licitação e a optimização. De acordo com o Digiday, Meghan O’Keefe, da Publicis Media Exchange, sublinha que os PMPs continuam a ser uma via muito valiosa para clientes que procuram agilidade e capacidade de optimização fina: combinam a segurança de um inventário delimitado com as capacidades de decisão e de controlo de frequência que a compra programmatic oferece.
Ainda assim, a fragmentação é uma realidade. Algumas agências gerem hoje dezenas de seats em DSPs diferentes (no caso da PMG, até 55) para responder a estratégias específicas: um DSP focado em CTV, outro em retail media, outro para o resto do media mix. Este mosaico complica a activação homogénea de deals globais (por exemplo, com a LG Ads) e obriga ao recurso a camadas de curation centralizada, que permitem criar um único deal e replicá-lo de forma consistente em todos os DSPs, aplicando alterações (como a exclusão de notícias ou de determinados ambientes) a partir de um único ponto de controlo.
A Netflix tornou-se o caso de uso mais evidente deste dilema. Alguns executivos estão a realizar testes A/B comparando a compra directa à Netflix com a compra via DSPs como o Yahoo, mantendo o mesmo targeting. A questão central é perceber se faz sentido assumir a comissão do DSP em troca de funcionalidades adicionais, como dayparting ou geotargeting mais avançados, e se esse custo adicional compensa em performance e flexibilidade face ao acordo directo.
Intermediários, dados e custos de identidade
Para além do inventário, muitas agências colocam o foco na cadeia de intermediários e no seu impacto na transparência real. Pacotes agregados, soluções de curation e acordos em bundle correm o risco de misturar inventário premium com long tail, por vezes a CPMs elevados que nem sempre reflectem o valor real do que está a ser comprado. Daí que várias vozes defendam a aplicação do mesmo nível de rigor já usado em display ou vídeo online: rastreabilidade da rota de fornecimento, comparação de preços efectivos e alinhamento entre o conteúdo prometido e o conteúdo efectivamente entregue.
Algumas agências foram ainda mais longe e desenvolveram plataformas próprias de compra específicas para CTV, com o objectivo de garantir acesso a dados ao nível de log (log-level data). Esta granularidade permite curar o inventário com muito mais detalhe, identificar rapidamente desvios entre o que foi contratado e o que foi servido, e evitar que parte do investimento acabe em ambientes “mascarados” que não correspondem ao planeado.
A identidade é outro dos pontos que distingue a CTV de outros canais. Num ecossistema fragmentado, é frequentemente necessário recorrer a soluções de identity dentro do próprio DSP para controlar a frequência real entre dispositivos e plataformas. Estas camadas de identidade implicam comissões adicionais que, no caso da CTV, podem ser relevantes e devem ser consideradas na avaliação do custo total da campanha.
Em paralelo, algumas marcas continuam a optar por compras directas quando precisam de integrar medições de terceiros (por exemplo, fornecedores de brand lift ou de audiências qualitativas) que ainda não estão totalmente disponíveis em determinados caminhos Programmatic. No caso da Netflix, por exemplo, alguns anunciantes mantêm a compra directa para garantir compatibilidade com partners específicos de medição ou com segmentações demográficas mais avançadas.
Um caminho ainda em construção
O debate em Nova Orleães deixa uma conclusão clara: a transparência em CTV melhorou em algumas camadas, mas está longe de ser um padrão homogéneo. As agências mais maduras estão a combinar várias abordagens — PMPs bem desenhados, ferramentas de curation ligadas aos ad servers dos publishers, plataformas próprias de compra e uso selectivo de soluções de identidade nos DSPs — para recuperar controlo sobre inventário, dados e custos. Ao mesmo tempo, o crescimento da CTV e do vídeo premium continua a atrair mais investimento para este canal, aumentando também a pressão para demonstrar eficácia real, garantir exposição em ambientes de qualidade e evitar tanto o “AI slop” como os pacotes opacos. Neste contexto, a “transparência” deixa de ser um slogan e passa a ser uma vantagem competitiva muito concreta: quem conseguir ver com clareza o que está a comprar em CTV estará melhor preparado para justificar cada euro investido.

