Os agentes de IA começam a ganhar terreno no Programmatic, mas ainda estão longe da licitação em tempo real
Se a compra Programmatic já automatizou grande parte do processo publicitário, que sentido faz acrescentar agora AI Agents à equação? Essa foi a pergunta que a equipa do Digiday levou consigo para o Programmatic Marketing Summit de Nova Orleães e que lançou a vários responsáveis de agências, traders e perfis técnicos de AdTech. A resposta, longe de um “sim ou não” categórico, desenha um consenso matizado: os AI Agents têm lugar no ecossistema, mas num espaço muito delimitado e claramente afastado de onde circula o dinheiro.
Muitos dos especialistas lembraram que, na prática, o Programmatic funciona há mais de uma década com elementos “quase agentic”: modelos de machine learning para optimizar licitações, scripts que ajustam orçamentos ou frequência, sistemas automáticos de deteção de fraude, motores de análise contextual… Ou seja, o núcleo da licitação em tempo real já é governado por algoritmos que actuam de forma autónoma dentro de determinados parâmetros. O que é novo não é a automatização em si, mas a chegada de uma geração de AI Agents baseados em LLMs, mais conversacionais e flexíveis, que se posicionam em torno desse núcleo técnico para apoiar as equipas humanas.
Neste contexto, o valor mais claro dos AI Agents surge em tudo o que acontece antes e depois da licitação. Responsáveis de compra e de produto concordam que estes agentes podem acelerar tarefas de configuração de campanhas (replicar estruturas, aplicar nomenclaturas, implementar templates de segmentação ou de brand safety) e funcionar como um “help desk” interno capaz de responder a dúvidas sobre processos, boas práticas ou documentação dispersa. Destacam também a sua utilidade na geração de insights e relatórios: transformar tabelas em narrativas compreensíveis para um CMO, resumir a evolução de uma campanha ou sugerir ângulos de optimização sem que a equipa tenha de dedicar horas à redação de reports. A isto junta-se a vertente de ideação: partir de um insight comportamental e pedir ao AI Agent hipóteses de audiências, contextos ou linhas criativas possíveis — não como verdade absoluta, mas como ponto de partida para o critério humano.
O bloqueio surge quando se coloca a hipótese de esses AI Agents assumirem controlo directo sobre o investimento ou sobre a criatividade em tempo real. Aqui, a resposta é praticamente unânime: não. O receio das alucinações da IA pesa muito. Um erro de um dígito numa condição de budget, uma regra mal interpretada ou uma decisão fora de contexto podem resultar num desastre financeiro ou reputacional à escala, porque tudo o que se automatiza, escala. A isto acresce uma limitação física: a janela do bidstream mede-se em milissegundos, e os LLMs generalistas não foram concebidos para operar com esse nível extremo de latência. A componente “inteligente” pode viver em camadas de pré-análise ou pós-análise, mas não na própria licitação.
Existe também uma sensibilidade particular em torno da modificação criativa automatizada. Vários executivos relatam ter rejeitado propostas que implicavam deixar sistemas generativos alterarem peças em tempo real sem revisão humana, devido ao risco evidente de um erro de tom numa marca com décadas de história. Na prática, a mensagem que sai do summit é clara: os AI Agents podem ter agência sobre tarefas e processos, mas não um acesso cego ao orçamento nem à imagem de marca.
Outro ponto que emerge do debate é a própria confusão em torno do conceito de “agentic”. Para alguns participantes, o termo descreve algo que o Programmatic já fazia: sistemas automatizados que ligam um workflow de ponta a ponta sem intervenção manual constante. Para outros, um AI Agent representa um passo adicional em direcção à autonomia — um sistema capaz de compreender objectivos de negócio de forma mais abstracta e tomar decisões complexas sem que todas as regras estejam previamente definidas. Este desalinhamento semântico ajuda a explicar porque, em muitos debates, parece que todos falam de “AI Agents”, mas nem sempre estão a falar da mesma coisa.
Apesar dessa ambiguidade, existe uma visão partilhada sobre a forma como esta tecnologia deverá ser implementada: de forma incremental, e não disruptiva. Ninguém na cimeira considera realista desmontar os workflows actuais para os substituir por AI Agents “mágicos” que façam tudo. O caminho passa por identificar pontos concretos de fricção (reporting, documentação, tarefas repetitivas, acesso a conhecimento interno) e desenhar agentes muito específicos para os resolver, mantendo sempre a possibilidade de supervisão, correcção ou desactivação. Com o tempo, e à medida que se constrói confiança, poderão surgir novos casos de uso e um pouco mais de autonomia, mas sempre ancorados no valor real que entregam, e não apenas na promessa tecnológica.
A conclusão deixada pelo Digiday Programmatic Marketing Summit é clara: sim, há espaço para os AI Agents na compra Programmatic, mas como aceleradores de trabalho, não como substitutos do critério humano nem dos motores de licitação já consolidados. No curto prazo, a sua missão será limpar o terreno, sintetizar informação, documentar, propor e ajudar as equipas a trabalhar melhor e mais depressa. A última palavra sobre onde se investe cada euro e que anúncio é servido em cada impressão continuará, por enquanto, nas mãos humanas.

