A IAB Tech Lab cria um enquadramento técnico para que os publishers controlem como a IA acede aos seus conteúdos.
O auge dos LLMs representou uma mudança radical no ecossistema digital. Cada vez mais utilizadores obtêm respostas completas diretamente a partir de plataformas baseadas em IA como o ChatGPT, Gemini ou Perplexity, reduzindo o tráfego para os meios originais e enfraquecendo os modelos publicitários que sustentam o jornalismo. Face a esta ameaça, o IAB Tech Lab, organismo responsável pelos principais standards técnicos de marketing digital (como o OpenRTB ou o ads.txt), assumiu uma posição firme: criar um enquadramento técnico que permita aos publishers proteger, controlar e monetizar os seus conteúdos perante os usos automatizados da IA. A nova iniciativa, batizada como AI Content Monetization Protocols (CoMP), nasce com um objetivo claro: reverter a perda de valor sofrida pelos conteúdos editoriais quando são utilizados sem autorização nem compensação por parte dos sistemas de inteligência artificial. “Se estás a ser rastreado e não te estão a pagar pelo teu conteúdo, isso é roubo”, afirmava Anthony Katsur, CEO do IAB Tech Lab, na sua apresentação durante o AdMonsters Sell Side Summit em Nashville.
O protocolo CoMP estrutura-se em três componentes fundamentais:
1.Bloqueio efetivo de bots:
Os meios poderão estabelecer limites técnicos reais para impedir o acesso de crawlers (rastreadores) não autorizados. O CoMP propõe uma evolução do clássico robots.txt, incluindo mecanismos mais seguros e verificáveis para evitar o scraping ilegal.
2. LLM-friendly discovery:
Através de novos standards, os meios poderão decidir como e em que condições o seu conteúdo pode ser descoberto e indexado por modelos de IA, favorecendo uma exposição controlada e passível de monetização em experiências como respostas diretas ou assistentes conversacionais.
3.API de ingestão com “tokenização” do conteúdo:
O CoMP incluirá APIs normalizadas que permitirão aos editores autorizar o uso do seu conteúdo de forma granular e segundo modelos de compensação proporcionais. A tokenização do conteúdo (isto é, a sua fragmentação em unidades mínimas reconhecíveis) facilitará o tracking, a atribuição e a criação de tarifas diferenciadas segundo o valor ou atualidade do conteúdo.
Monetizar por crawl ou por uso real?
Uma das apostas diferenciadoras do CoMP é a proposta de um modelo de monetização baseado nas consultas dos utilizadores (cost-per-query) em vez de simplesmente cobrar por cada rastreio de conteúdo (cost-per-crawl), como sugerem outras iniciativas, como a da Cloudflare. “Não acreditamos que o custo por rastreio seja escalável. Já o custo por consulta do utilizador é”, sublinhava Katsur. Este modelo permitiria que os conteúdos mais relevantes ou mais utilizados pelos utilizadores gerassem maior retorno para os publishers, alinhando-se com a lógica de valor acrescentado.
Além de estabelecer standards técnicos, o IAB Tech Lab planeia intensificar a sua pressão sobre legisladores federais e estaduais nos EUA para reforçar o cumprimento das leis de direitos de autor, incluindo sanções a empresas que ignorem as normas de exclusão voluntária (robots.txt) ou outros mecanismos de controlo. “Tem de haver uma mudança de políticas no Capitólio”, acrescentava Katsur. Apelou ainda aos publishers para que utilizem as suas ligações políticas e recorram aos tribunais sempre que necessário. “Para os crawlers que não respeitam as diretivas, processem-nos sem contemplações”, rematou com dureza.
Google e Meta à mesa; OpenAI e Perplexity de fora
Embora algumas grandes tecnológicas como a Google e a Meta tenham participado nos workshops iniciais do grupo CoMP, outras empresas-chave no desenvolvimento de modelos de linguagem como a OpenAI, a Anthropic ou a Perplexity ignoraram os convites do IAB Tech Lab, refletindo as tensões latentes no ecossistema. Katsur não deixou de apontar a Google como um ator que deve mudar a sua abordagem, pedindo que separe os seus rastreadores: um para indexar resultados de pesquisa e outro específico para o treino de modelos de IA.
Segundo o AdExchanger, o IAB Tech Lab lançou um apelo explícito a todos os atores do ecossistema de IA (OpenAI, Anthropic, Meta, Google Gemini, Perplexity, Grok, publishers, plataformas cloud e startups) para que se unam a este esforço conjunto. “O que estamos a construir não é apenas uma solução temporária, é um mapa para a nova economia digital”, resumiu Shailley Singh, COO do Tech Lab.
Para Jon Roberts, Chief Innovation Officer da People Inc., a mensagem é clara: “A IA precisa de conteúdo de qualidade. E esse conteúdo deve ser remunerado de forma justa para sustentar o jornalismo”.
Num momento em que a inteligência artificial está a reconfigurar a forma como se acede à informação, o IAB Tech Lab procura que os meios, marcas e criadores não sejam meros fornecedores invisíveis de dados, mas sim agentes ativos de uma economia mais justa, rastreável e sustentável.
A batalha pela monetização de conteúdos na era da IA não fez mais do que começar. O CoMP é a primeira tentativa séria de lhe atribuir regras claras e mecanismos técnicos funcionais.