O impacto da IA: como a queda de tráfego está a transformar as fusões e aquisições nos media?
Desde a chegada das ferramentas de Inteligência Artificial, o tráfego dos publishers tem registado um declínio acentuado. As consequências não se limitam à perda de audiência ou de receitas publicitárias: estão também a criar um impacto direto no mercado de M&A nos media, dificultando a avaliação dos ativos num contexto de disrupção, segundo investidores e analistas do setor. A isto juntam-se fatores externos como as taxas de juro elevadas, os desequilíbrios económicos e um mercado publicitário fragilizado, que agravaram ainda mais o cenário. “Não é fácil comprar um negócio neste estado de disrupção — não se sabe quem será o vencedor ou o perdedor”, afirmou Amir Malik, diretor-geral da consultora Alvarez & Marsal, em declarações citadas pela Digiday.
Apesar de um 2023 difícil, o mercado de M&A começou a recuperar ligeiramente em 2024, explica Sam Thompson, diretor sénior da consultora Progress Partners. A atividade de capital de risco nos EUA arrancou de forma lenta em 2025, mas recuperou no terceiro trimestre, com 14 negócios, segundo a PitchBook. Entre janeiro e setembro de 2025, registaram-se 32 operações no setor editorial — apenas menos cinco do que no mesmo período de 2024. No entanto, o volume total das transações foi maior este ano: 353,9 milhões de dólares face aos 291,4 milhões do ano anterior. Ainda assim, o segundo trimestre de 2025 contou apenas com 11 negócios no valor de 2,2 milhões de dólares, comparados com 13 transações que somaram 29 milhões em 2024.
A queda de tráfego dos publishers, causada pelos resumos gerados por IA nos motores de pesquisa, tem travado o crescimento de várias empresas, tornando-as menos atrativas para compradores. “Os negócios estão a ser suspensos por causa dos resumos de IA”, reforçou Malik. Muitos publishers perderam um terço — ou mais — do seu tráfego desde a introdução dos resumos de IA da Google nas pesquisas. Isso levou compradores e investidores a afastarem-se e a colocar em pausa as operações de M&A. “Isto não vai parar as fusões e aquisições. Vai é transformá-las — e, infelizmente, as valorizações vão cair”, acrescentou.
No último ano, os publishers perderam entre 15% e 40% do tráfego referencial. A Forbes, por exemplo, sofreu uma quebra de 40% no tráfego de pesquisa. A maioria dos 40 membros da Digital Content Next — incluindo The New York Times, Condé Nast e Vox Media — registou quedas entre 1% e 25%.
Andrew Perlman, CEO da Recurrent Ventures, afirma que esta instabilidade levou os investidores a fazer ofertas mais baixas, descrevendo o mercado como “estagnado”. Contudo, há sinais de recuperação: tanto o interesse dos compradores como as conversas iniciadas pela Recurrent têm aumentado. “Parece que os vendedores estão a tornar-se mais racionais”, disse Perlman. Embora alguns acreditem que agora possa ser um bom momento para comprar ou vender, os preços já não são os mesmos do início da década de 2020.
O impacto da IA generativa no mercado de M&A
Num contexto económico já instável, a IA generativa veio complicar ainda mais o panorama das fusões e aquisições nos media. Segundo a PitchBook, este ano os maiores acordos de capital de risco incidiram em empresas de newsletters e novas tecnologias. Em agosto, fecharam-se três grandes transações, incluindo o acordo de 31,85 milhões de dólares da RTB Digital e o maior do ano: 100 milhões de dólares investidos na Substack.
Apesar dos esforços dos publishers para diversificar receitas — desde first-party data às subscrições —, o mercado ainda não está convencido. Para muitos investidores, é demasiado cedo para perceber um verdadeiro ponto de viragem, o que cria uma desconexão entre o otimismo dos editores e as avaliações das suas empresas. Yale Yee, sócio e cofundador da Telos Advisors, resume: “A IA destruiu o modelo de SEO e SEM… As regras mudaram por completo.”
A incerteza sobre o futuro impacto da IA no ecossistema editorial é outro desafio, explica Malik. Muitos publishers estão a receber pagamentos de empresas de IA em troca de licenças de conteúdo — a OpenAI já assinou acordos com mais de uma dezena de grandes editores —, mas a sustentabilidade destes modelos continua em dúvida. Além disso, os sistemas de IA estão a alterar a forma como as pessoas procuram informação, levantando questões sobre se o público passará a adotar experiências de pesquisa sem tráfego referencial. “Isto é como um tiro num órgão vital, não uma ferida superficial”, reforça Malik.
Por isso, os publishers devem “retomar o controlo das suas audiências” e procurar novas vias de monetização para lá do tráfego de pesquisa, sugere Thompson. Quanto menor a dependência dos motores de busca, melhor. A IA está a acelerar a urgência de mudança, num momento em que os investimentos em empresas de conteúdo tradicionais “se esgotaram”.
Para onde estão a olhar os investidores agora?
O foco dos investidores desloca-se hoje para empresas da creator economy e novos modelos sociais. Isso abre uma oportunidade para os publishers: apostar em podcasts e vídeo, atraindo e retendo criadores para gerar conteúdo com forte monetização publicitária. Este ano, empresas como Yahoo, The Independent, Fast Company e Inc. investiram em iniciativas lideradas por criadores.
Os analistas acreditam que o mercado começa lentamente a recuperar após anos de estagnação. “As empresas que pretendem reestruturar-se poderão desinvestir ativos, o que vai atrair interesse”, disse Malik. Yee antevê ainda um mercado mais ativo e com negócios maiores no próximo ano — e já há empresas de media a serem sondadas por potenciais compradores. “Se conseguires uma boa saída agora, provavelmente deves aproveitá-la”, afirmou.
As valorizações já não são o que eram
Em 2020, a Spotify comprou a The Ringer por 250 milhões de dólares — quase dez vezes os seus lucros. Esses tempos ficaram para trás, dizem analistas como Yee. “Hoje, essas empresas valeriam entre quatro e seis vezes as receitas… múltiplos saudáveis, mas bem mais baixos.” Agora, as empresas têm de ser rentáveis, algo irrelevante em 2020 e 2021.
Malik, por sua vez, tem uma visão mais cautelosa: “Vejo negócios a acontecer, mas não porque estas sejam grandes empresas em boa forma. Muitas serão reestruturadas por private equity. Não é uma imagem positiva.”
Apesar da incerteza, pode ser um bom momento para comprar ou vender. “Garante já o teu retorno… porque as tuas receitas podem cair nos próximos anos — e isso significa que terás de transformar o teu negócio”, alerta Malik.
Ainda assim, Perlman acredita que é cedo para decisões definitivas: “Serão necessários mais dois ou três trimestres para realmente entender o mercado.”

