Algumas agências bloqueiam o SSP Epsilon (Publicis) devido a uma possível fuga de dados.

Na engrenagem da programática, cada intermediário deixa a sua marca. A teoria diz que a cadeia funciona graças à transparência de standards como o ads.txt ou o sellers.json. A prática demonstra o contrário: a opacidade continua a ser a norma e as surpresas surgem quando os compradores descobrem que têm estado a financiar a sua própria concorrência… Foi exatamente isso que aconteceu com a Epsilon SSP, propriedade do Publicis Groupe.

Nos últimos 18 meses, várias das principais agências (WPP, IPG, Dentsu, Havas) compraram inventário que, sem o saber, tinha passado pela Epsilon SSP antes de chegar às suas DSPs. O mecanismo é conhecido: multi-hop reselling, o trânsito de uma impressão através de vários SSPs antes de chegar ao ecrã do comprador. Mas aqui o pormenor é crítico: não se trata de qualquer SSP, mas do único SSP do mercado controlado por um grande grupo de agências que compete diretamente pelo orçamento desses mesmos anunciantes.

O problema não é a revenda, é a posição estrutural
Que um SSP revenda inventário não é novidade; o modelo consolidou-se com a promessa de liquidez, ainda que em troca de maior complexidade e taxas adicionais. O verdadeiro dilema é quem ocupa esse elo intermédio. A Epsilon SSP não é um ator neutro, já que é controlada por uma agência global com interesses na compra de meios e, ainda que a Publicis insista na existência de firewalls técnicos e auditorias externas, a simples coexistência de papéis (comprador e vendedor) alimenta o cepticismo. Isto porque cada bidstream contém informação sensível: bid floors, frequências, audiências, URLs. Com escala suficiente, é possível inferir estratégias de segmentação ou preços dispostos a pagar por determinados targets. É o mesmo argumento que o DoJ utilizou contra a Google no seu caso antitrust; a diferença é que agora falamos de uma agência e não de um gigante tecnológico.

A reação dos buyers: bloquear antes de arriscar
O resultado é uma reação defensiva: várias agências começaram a bloquear a Epsilon SSP nas suas supply paths. Não o fazem tanto pela qualidade do inventário, que pode ser legítimo, mas por uma questão de governação e confiança. Nas palavras de um comprador citado pela Adweek: “Não estou neste negócio para financiar um concorrente”.

O impacto prático é duplo, já que falamos de menos transparência para o anunciante, que raramente sabe quantos intermediários tocaram a impressão, e de mais custos na cadeia, porque cada hop ou salto retira percentagem de working media. Neste contexto, alguns buyers optam por encurtar rotas, ou seja, gerar acordos diretos com publishers ou private marketplaces fechados e, com isto, embora o multi-hop não desapareça, fica mais limitado.

O silêncio das restantes agências
A WPP, IPG, Havas e Dentsu evitaram fazer comentários públicos — e não é de estranhar. Aceitar que durante meses fluiu dinheiro e dados para um concorrente implica reconhecer uma falha de controlo sobre a cadeia de fornecimento e, num setor onde a narrativa oficial é a da transparência e da eficiência, admitir que não se sabia para onde ia o orçamento é politicamente inaceitável… O silêncio, no entanto, não elimina o problema estrutural: poderá uma agência operar simultaneamente como compradora e vendedora sem incorrer num conflito de interesses? A Publicis garante que sim, com muros técnicos e auditorias, mas as restantes, para já, bloqueiam.

Um precedente incómodo para o setor
O mais relevante não é o caso pontual da Epsilon SSP, mas sim o que revela do ecossistema: nada mais do que a fragilidade do discurso de transparência na programática, a dependência de standards (ads.txt, sellers.json) que poucos utilizam de forma rigorosa e a dificuldade de conciliar interesses quando surge integração vertical num mercado já altamente concentrado.

Este episódio lembra-nos que, na publicidade digital, os incentivos contam mais do que as promessas e que, enquanto as cadeias continuarem repletas de multi-hops, qualquer comprador pode descobrir amanhã que parte do seu orçamento acabou por reforçar a posição do seu maior rival. Em última instância, a Epsilon SSP é apenas um sintoma. O diagnóstico é claro: o ecossistema programático continua a ser um terreno onde a opacidade é rentável e onde a linha entre eficiência e conflito de interesses é cada vez mais ténue.

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