A juíza do caso antitrust contra a Google pondera forçar a venda do seu AdX após as alegações finais do Departamento de Justiça dos EUA

O macrojulgamento antimonopolista contra o negócio publicitário da Google entrou oficialmente na sua fase decisiva. Na passada sexta-feira terminaram os argumentos finais no caso US vs. Google AdTech no Tribunal Distrital do Leste da Virgínia, onde a juíza Leonie Brinkema terá agora de determinar que medidas irá impor, depois de ter declarado em abril que a empresa mantém dois monopólios ilegais na cadeia de valor publicitária do lado da oferta. Em cima da mesa está a opção mais drástica: obrigar a Google a desfazer-se do seu ad exchange (AdX), peça central da sua infraestrutura programática.

Nem o Departamento de Justiça (DoJ) nem a Google introduziram grandes surpresas na fase final. O DOJ reiterou que as simples obrigações de conduta (compromissos de comportamento, ajustes de produto ou alterações em políticas internas) não são suficientes para corrigir a distorção competitiva que, no seu entender, a Google gerou ao longo de anos. A tese do governo é clara: apenas uma medida estrutural, ou seja, a venda do AdX e a separação efetiva de parte da tecnologia de monetização na open web, pode “erradicar pela raiz” os monopólios ilegalmente adquiridos e abrir caminho a um mercado mais competitivo para publishers e empresas de AdTech.

Segundo o AdExchanger, a Google, representada pela advogada Karen Dunn, classificou de desproporcionada a solução proposta pelo DOJ. Segundo a empresa, a posição do governo “baseia-se exclusivamente na desconfiança” em relação à Google, ao assumir que o gigante tecnológico encontrará sempre formas criativas de preservar o seu poder de mercado mesmo perante uma sentença desfavorável. Dunn insistiu que o DOJ não demonstrou que uma desinversão completa do AdX seja necessária ou tecnicamente razoável, e sublinhou que o direito norte-americano não penaliza o poder de mercado obtido de forma lícita, citando uma decisão do Tribunal Supremo que reconhece que a “monopolização legítima” faz parte do funcionamento normal da economia.

O DOJ, no entanto, sustentou o seu pedido de medidas estruturais precisamente no historial da Google. Os procuradores descreveram a empresa como um “infrator reincidente” que, ao longo dos anos, seguiu sistematicamente os seus incentivos económicos, mesmo quando isso contrariava o espírito das regras de concorrência. Assinalaram que, mesmo com uma sentença que proíba favorecer o seu próprio inventário ou o seu próprio canal entre o AdX e o AdWords, a Google poderia continuar a marginalizar a procura proveniente de outras fontes (por exemplo, Prebid) invocando razões de qualidade do inventário ou padrões de brand safety. Recordaram também que vários juízes criticaram a Google pela destruição ou supressão de provas comprometedoras, e que documentos internos onde a empresa admitia a viabilidade de uma desinversão do AdX só vieram a público após forte resistência processual.

Para além da questão da confiança, a juíza Brinkema mostrou-se particularmente preocupada com a aplicação prática de qualquer medida num ambiente tecnológico que evolui a grande velocidade, com a inteligência artificial a acelerar mudanças no mercado publicitário. Durante os argumentos do DOJ, a juíza sugeriu que certas obrigações de conduta, como mandatos de interoperabilidade ou integrações específicas, poderiam entrar em vigor mesmo enquanto a Google recorre da decisão. Mas também questionou como transformar uma ordem genérica de desinvestimento numa decisão concreta e executável, num contexto em que nem sequer está claro quem poderia comprar o AdX sem gerar novos problemas de concentração e sem desencadear outra análise antimonopolista.

O debate sobre prazos e viabilidade operacional tornou-se um dos eixos centrais do caso. O DOJ defende que, se a Google é capaz de mobilizar os seus engenheiros para implementar as soluções técnicas que propõe no seu próprio plano de remédios, também o pode fazer para aplicar as medidas impostas pelo tribunal. Na sua perspetiva, uma venda forçada do AdX é, paradoxalmente, a solução “mais limpa e menos arriscada” a longo prazo, porque estabelece uma rutura clara com a situação atual. Pelo contrário, uma medida puramente comportamental exigiria anos de supervisão, com um monitor judicial a analisar constantemente como a Google “põe à prova cada palavra e cada vírgula” da sentença para reduzir ao mínimo o seu impacto, o que manteria o conflito aberto quase permanentemente.

Em paralelo, outro frente pressiona fora da sala. Publishers e empresas de AdTech do lado da oferta já começaram a apoiar-se na decisão de abril (que declarou ilegais dois monopólios da Google em adtech) para apresentar ações cíveis e reclamar indemnizações por danos. A própria juíza reconheceu que a Google está “numa situação impossível”, porque cada passo que dá neste caso tem efeitos imediatos num ecossistema de litígios muito mais amplo. Esta pressão externa complica ainda mais a possibilidade de um acordo negociado, apesar de Brinkema ter admitido, segundo a Reuters, que “poderia ver um settlement sensato” em abstrato. O cenário mais provável, admitiu, é que o caso termine com uma nova sentença que será alvo de recurso, prolongando a batalha judicial durante anos.

O desfecho terá implicações profundas para todo o ecossistema da publicidade digital. Uma eventual desinversão do AdX reconfiguraria o equilíbrio de poder entre a Google, os SSPs independentes e os publishers, e poderia redesenhar as regras da open web em matéria de leilões, fees e acesso à procura. Um remédio limitado a obrigações de conduta, por outro lado, enviaria uma mensagem diferente sobre até onde está disposta a ir a justiça norte-americana perante as Big Tech, num contexto em que continuam abertos outros grandes processos contra a Amazon e a Apple. Entretanto, a juíza Brinkema e a sua equipa já trabalham na redação da decisão, que poderá ser conhecida “talvez no próximo ano”, ciente de que, como lembrou o próprio DOJ citando a inscrição no edifício do tribunal, “a justiça atrasada é justiça negada”.

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