O Inspirational 2025 aborda o desafio da diferenciação das marcas num mercado padronizado pela IA

Mais um ano, a indústria publicitária volta a reunir-se no Círculo de Belas Artes, em Madrid, para assistir ao Inspirational, o encontro organizado pela IAB Spain que pretende juntar especialistas de diferentes setores para debater os desafios e oportunidades do marketing e da publicidade digital, e analisar as tendências que irão marcar o futuro próximo.

No espaço AI & Data do Inspirational 2025, duas sessões destacaram-se pelo impacto do seu debate em torno do papel da inteligência artificial no marketing e na comunicação. Por um lado, uma mesa-redonda discutiu como as marcas podem evitar tornarem-se “gémeas” num contexto em que a IA tende a uniformizar processos e mensagens. Por outro, uma conferência dedicada à voz explorou as suas possibilidades como nova interface tecnológica, analisando tanto casos de uso inovadores como os riscos legais e de desinformação que acarreta.

“A Era das Marcas Gémeas”: diferenciar-se num mercado uniformizado

Moderada por Cristina Lera, Chief Data & Technology Officer na IPG Mediabrands e presidente da Comissão de IA da IAB Spain, a mesa-redonda “A Era das Marcas Gémeas” reuniu Andrés Menchero (Business Analytics & CX Solutions Director na Jakala), José Alberto García (Director of Digital Traffic, Omnichannel Media & CRM na Leroy Merlin), Rodrigo González (Head da Uber Advertising Spain) e Sonia Paz (Co-founder da Silverce), para debater um dilema crescente no setor: a IA nivelou o campo de jogo, mas também está a diluir as diferenças entre marcas.

O ponto de partida foi claro: as ferramentas de IA estão hoje ao alcance de qualquer empresa, das grandes marcas às pequenas e médias. Esta democratização, embora positiva em termos de eficiência e escala, está a gerar um efeito colateral — mensagens e experiências de marca cada vez mais semelhantes. “A IA democratiza processos e custos, mas homogeneíza a criatividade se não aplicarmos os pilares e a essência de cada marca. Isso pode ser prejudicial”, alertou Menchero, sublinhando que a tecnologia não substitui a identidade nem a estratégia criativa.

Na mesma linha, José Alberto García destacou que a diferença não está na ferramenta, mas no uso que se faz dela. “A curto prazo, a IA é um meio para ganhar produtividade, mas a médio e longo prazo a chave será como alimentamos o marketing com valores, autenticidade e propósito. É isso que realmente nos vai diferenciar”, afirmou, defendendo que a IA deve ser integrada no ADN estratégico das marcas e não tratada como um simples recurso tático.

Por sua vez, Rodrigo González trouxe a perspetiva da ativação publicitária: a IA melhorou a segmentação e a eficiência, mas não resolveu os problemas estruturais de saturação e fragmentação da atenção. “A IA trouxe eficiência, mas também confusão e falta de credibilidade. Precisamos de procurar momentos de atenção garantida, em vez de continuar a seguir o modelo de há 25 anos”, observou.

Sonia Paz reforçou que a diferença real virá da consciência com que se aplica a tecnologia, mais do que da tecnologia em si. “Menos olhar para os dados da concorrência e mais olhar para o nosso propósito. A confiança constrói-se comunicando com clareza como usamos os dados e para quê”, defendeu, sublinhando que transparência e ética serão os verdadeiros fatores diferenciadores.

Outro ponto central do debate foi o papel do consumidor. A IA está a transformar a forma como as pessoas interagem com as marcas — interfaces mais naturais, jornadas fluidas e experiências personalizadas em tempo real. Neste contexto, os oradores concordaram que os valores de marca, a autenticidade e o talento humano continuarão a ser essenciais para destacar-se. “Entramos na era da empatia aumentada: não vencerá quem tiver mais dados, mas quem souber traduzi-los em emoções e experiências relevantes”, sintetizou Paz.

A mesa encerrou com uma projeção para o futuro: interfaces dinâmicas, modelos multiagente e experiências personalizadas serão o novo padrão. Mas apenas as marcas capazes de combinar esses avanços tecnológicos com propósito, estratégia sólida e autenticidade humana conseguirão escapar ao fenómeno das “marcas gémeas” e construir uma vantagem competitiva duradoura.

A voz e a IA: novas possibilidades, novos desafios

O painel dedicado a “A voz e a IA”, moderado por Juan Corrales, CEO da Flyabit e presidente da Comissão de Áudio Online da IAB Spain, explorou como a inteligência artificial está a transformar o ecossistema do áudio, abrindo novas oportunidades criativas e de negócio, mas também levantando questões éticas, legais e narrativas de grande relevância.

Ana Ormaechea, diretora-geral de produto digital na Prisa Media, apresentou um caso comovente: o do músico basco Kepa Junkera, que havia perdido a voz há anos e que, graças à clonagem de voz através de IA, pôde voltar a comunicar publicamente na Radio Bilbao. “Talvez não fosse a minha voz, mas eram os meus pensamentos”, recordou Junkera — um exemplo, nas palavras de Ormaechea, de como a IA pode “mudar vidas, devolvendo a capacidade de comunicação a quem a perdeu”.

Mas a especialista também alertou para os riscos: o aumento dos deepfakes de áudio ameaça a credibilidade informativa. Para combater o problema, a Prisa desenvolveu a ferramenta Deepfake Audio, que em 2024 identificou mais de 100 casos de manipulação sonora em contexto eleitoral.

Idoia Cantolla, cofundadora da VoicePowered.ai e CCO da Muiyu.com, destacou o potencial democratizador da IA na produção de conteúdos sonoros, especialmente no mercado hispanofalante, onde os avanços linguísticos têm sido significativos. “A IA permite produzir áudio de forma automática e eficiente, mas a verdadeira diferença está na curadoria, edição e toque humano”, afirmou. Ainda assim, notou que os utilizadores intensivos de audiolivros continuam a mostrar resistência às vozes sintéticas, sinal de que a emoção e a narrativa continuam a ser fatores decisivos.

No plano jurídico, Natalia Martos, CEO e fundadora da Legal Army, lembrou que a voz é considerada um dado pessoal protegido pela legislação espanhola, e o seu uso requer consentimento expresso. “O enquadramento legal já existe; o desafio está em as empresas compreenderem bem a tecnologia e as obrigações associadas”, explicou. Martos acrescentou ainda que o Regulamento Europeu de IA classificará determinados usos como “de alto risco”, impondo regras mais rigorosas de transparência e proteção de direitos.

Os participantes concordaram que a voz se consolidou como a terceira grande interface tecnológica, depois do computador e do telemóvel — e que a IA está a acelerar essa transição. “Os meios têm de ser transparentes com os utilizadores: não se trata de esconder a IA, mas de explicar como e por que razão é usada”, sublinhou Ormaechea.

Um ponto comum: propósito, estratégia e transparência

Apesar das abordagens distintas, ambas as sessões convergiram numa mesma conclusão: a IA está a nivelar o terreno competitivo, e a verdadeira vantagem residirá em como as marcas integram a tecnologia na sua identidade, propósito e estratégia humana.

A voz surge como a interface mais natural e poderosa, mas o seu uso massivo exigirá responsabilidade legal e ética para preservar a confiança do público. O Inspirational 2025 deixa claro que o desafio não é apenas adotar IA, mas fazê-lo de forma diferenciadora, transparente e significativa.

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