A Google reforça a sua aposta no YouTube e no display perante a pressão da pesquisa com IA
Em plena “guerra dos motores de busca” impulsionada pela IA, a Google está a mover ficha num terreno que, em teoria, domina há duas décadas: a pesquisa. A mensagem que está a transmitir a agências e anunciantes, porém, está a deslocar-se claramente para o upper funnel. Nos últimos seis meses, a equipa comercial da Google tem recomendado de forma muito mais insistente o investimento em canais não-search, como YouTube, display e formatos de descoberta (Discovery e Demand Gen), segundo explicaram a Digiday sete executivos de agências.
A decisão responde a uma dupla realidade. Por um lado, os anunciantes começam a reconhecer que precisam de gerar mais notoriedade e consideração para alimentar um funil de compra cada vez mais complexo. Por outro, a Google prepara-se para um cenário em que parte das pesquisas de produto migre para experiências conversacionais com Gemini, ChatGPT ou Copilot, onde a tradicional lista de “links azuis” perde protagonismo face a respostas geradas por IA.
A big tech enquadra esta mudança na evolução do comportamento do utilizador e no papel das suas campanhas “AI-powered”, como Demand Gen ou Performance Max, para captar novas oportunidades de descoberta. A empresa insiste que, à medida que as pessoas colocam novas perguntas e procuram informação em novos formatos, é necessário estar presente em mais pontos de contacto — não apenas na caixa de pesquisa.
Na prática, o discurso comercial com as agências tem-se enchido de referências a YouTube Shorts, inventário em display e formatos Discovery como motores para ativar intenção de compra. A Google está também a impulsionar capacidades integradas de shopper marketing, desde extensões no Google Maps até funcionalidades de compra dentro de YouTube Shorts, com o objetivo de encurtar a distância entre descoberta e conversão.
Este posicionamento encaixa num contexto mais amplo: a pressão dos modelos de resposta direta, o crescimento do retail media e a erosão do tráfego para os media causada pelas respostas de IA — fenómeno que já está a levar muitas marcas a rever o seu media mix e a reforçar investimentos em ambientes mais fechados e mensuráveis.
IA generativa e “AI ad units”
Em paralelo com o reposicionamento de YouTube e display, a Google está a tentar blindar a relevância dos seus formatos nas experiências de pesquisa com IA. Vários executivos de agências interpretam o impulso a produtos como AI Max, Performance Max e Demand Gen como uma forma de condicionar a presença publicitária nas novas interfaces: se um anunciante quiser aparecer nos ambientes de pesquisa conversacional e nas experiências enriquecidas pelo Gemini, a mensagem implícita é que terá de apostar nestes formatos “AI-powered”.
A lógica é evidente: à medida que o utilizador se habitua a receber uma única resposta sintetizada, em vez de uma página cheia de resultados, o espaço disponível para anúncios tradicionais reduz-se. Integrar criatividades nestas experiências guiadas por IA — por exemplo, através de blocos patrocinados contextualizados dentro do próprio fluxo de resposta — exige formatos mais flexíveis e automatizados, bem como campanhas capazes de otimizar criativos e bids em tempo real.
Por enquanto, a Google mostra-se relativamente confortável. O uso de chatbots de IA está a crescer, mas a empresa continua a ser o motor de busca de referência. Segundo estimativas da eMarketer citadas pela Digiday, cerca de 58% das pessoas continuam a preferir o Google Search a ferramentas como o ChatGPT para fazer consultas.
Demand Gen, atribuição e a comparação inevitável com a Meta
Um dos “campos de batalha” mais sensíveis são as campanhas de Demand Gen, o produto orientado para descoberta que concorre diretamente com os formatos da Meta. Para reforçar a sua proposta, a Google está a promover uma metodologia de atribuição chamada Platform Comparable Attribution, criada para apresentar resultados de Demand Gen de modo mais favorável quando comparados lado a lado com campanhas em redes sociais.
As avaliações das agências são mistas. Alguns executivos reconhecem melhorias na componente de vídeo e imagem, bem como no desempenho de campanhas em Gmail e outros inventários. Outros, no entanto, continuam a recomendar uma aposta forte no YouTube, mas mantêm cautela relativamente às colocações em Discovery e display dentro do ecossistema Google — especialmente quando comparadas com o desempenho da Meta na fase de prospecting.
O contraste não é apenas de performance. Num momento em que muitos anunciantes ponderam cortar até 30% do investimento em display devido ao impacto da pesquisa com IA, segundo dados citados pela Digiday, a Google precisa de demonstrar que o seu inventário display (próprio e afiliado) continua a ser eficaz para construir marca e gerar procura incremental — e não apenas um complemento tático.
Implicações para marcas e agências
Para as marcas, a mensagem é clara: já não basta pensar na Google em lógica de “last click” ou puro performance. O próprio motor de busca está a empurrar anunciantes para reforçar o investimento em awareness dentro do seu ecossistema (especialmente no YouTube) se quiserem manter relevância num cenário em que:
As respostas de IA reduzem a visibilidade orgânica tradicional.
As sessões de pesquisa se fragmentam entre motores clássicos e assistentes conversacionais.
A atenção se concentra em poucos ambientes de conteúdo e vídeo.
Para as agências, o desafio passa por reequilibrar o mix sem perder capacidade crítica. A pressão comercial para adotar campanhas automatizadas da Google (PMax, Demand Gen, AI Max) acrescenta-se à dependência já existente dos grandes walled gardens. A chave será decidir até que ponto se cede controlo aos algoritmos do fornecedor e como combinar estes produtos com outras fontes de procura (retail media, social, CTV, open web), evitando concentrar demasiado poder numa única interface de compra.
Um movimento defensivo… e ofensivo
No conjunto, a aposta da Google em YouTube, display e campanhas de descoberta pode ser vista como um movimento defensivo face à ameaça dos motores de busca com IA, mas também como uma ofensiva para captar mais investimento de branding que até aqui fluía para TV, CTV e social.
Enquanto a indústria experimenta novos “meta-motores de busca” baseados em modelos de linguagem e as marcas aprendem a otimizar a sua presença nas respostas geradas por IA, a Google procura garantir que, independentemente do que acontecer com a SERP clássica, continua a ser o ponto central onde se planeia e mede uma parte relevante do funil. O resultado será, previsivelmente, um ecossistema de pesquisa mais fragmentado, onde a linha entre search, vídeo, display e experiências conversacionais se torna cada vez mais difusa… mas onde a Google quer continuar a ocupar o centro do tabuleiro.

