PM NxtBigThing: a IA acelera a publicidade, mas o critério continua a ser humano
Ontem, em Madrid, o PM NxtBigThing reuniu nos Teatros Luchana diversos profissionais do mercado publicitário para responder a uma questão urgente: o que é que a Inteligência Artificial traz realmente à publicidade digital e como aplicá-la sem degradar a experiência do utilizador nem a identidade das marcas. O debate surge num contexto de queda no tráfego editorial e de fragmentação das ferramentas, em que as equipas procuram impactos úteis e medições consistentes.
O evento foi conduzido por Mikel Lekaroz, CEO da Programmatic Spain e da Next Different Spain, que enquadrou o “novo paradigma da IA e do AdTech” com três dados marcantes: o ChatGPT atingiu 100 milhões de utilizadores em apenas dois meses; muitos meios de comunicação registam descidas até 40% no tráfego; e o investimento em tecnologias de IA continua a acelerar trimestre após trimestre. “O valor publicitário vai deslocar-se para sinais de maior qualidade e para ambientes que garantam confiança e controlo”, afirmou Lekaroz.
A conferência inaugural, a cargo de Susana García, autora de IA desde cero e consultora em inteligência artificial, defendeu a importância de distinguir entre ferramenta e propósito. Segundo García, a IA “pode dar o quê e o como, mas o porquê continua a ser humano”. A especialista alertou ainda para o risco regulatório e para a delegação excessiva: “otimizar sim, substituir o critério não. A adoção responsável faz a diferença entre eficiência e banalização”.
Com uma abordagem mais prática, José Serra Díaz-Mauriño, Sales AdTech Director na Microsoft e consultor de IA e automação, ligou os desafios do setor AdTech aos do PropTech. Propôs três princípios: “se se repete, automatiza-se; se depende de dados, prevê-se; se depende de pessoas, personaliza-se”. Explicou estes conceitos com exemplos em reporting, benchmarking, propostas comerciais e atendimento ao cliente — mostrando como fluxos automatizados reduzem processos de horas para minutos. Sublinhou, no entanto, que IA e automação “são coisas distintas”. “Devemos usar a IA para pensar melhor”, concluiu.
O primeiro painel, moderado por Pepe Cerezo (Digital Journey, membro da direção da Programmatic Spain), abordou o impacto da IA nos meios de comunicação com Iñaki García-Hoz (Webedia), Luis Hidalgo (Grupo Prensa Ibérica), Moisés Muñoz (Publiespaña) e Pablo Rodes (Alyanas Media). Todos concordaram que a IA generativa não “mata” a Open Web, mas aumenta a sua tensão. A resposta passa por reforçar sinais contextuais, ativar modelos de dados próprios e rotular conteúdos gerados por IA para preservar a confiança. Para García-Hoz, a prioridade é “melhorar a qualidade do impacto publicitário”; para Rodes, o desafio é “monetizar o conteúdo” também fora dos canais próprios, através de acordos de licenciamento e novas linhas de receita não publicitárias.
Seguiu-se Pablo Martínez, sócio fundador e responsável de estratégia e desenvolvimento de negócio na Advia, que apresentou o ADN da empresa: inverter a lógica tradicional da publicidade. “Normalmente, a publicidade é feita do ponto de vista das marcas, mas há audiências difíceis de encontrar para esses anunciantes. Nós pensámos ao contrário: fazer publicidade a partir das necessidades do consumidor”, explicou. A sua tecnologia, Vera, identifica a “navegação ativa” — momentos em que o utilizador procura resolver algo — através de agentes sintéticos que simulam percursos com livre arbítrio. O objetivo é ativar apenas quando existe intenção real, reduzindo desperdício e aumentando a taxa de resolução: anúncios que se transformam em respostas.
Na área de segmentação e medição, Stanisław Grabowski, VP de Marketing & Brand Solutions na Adlook, questionou a fiabilidade dos segmentos sociodemográficos de terceiros, citando estudos que revelam discrepâncias significativas. Propôs como alternativa as “audiências inteligentes”, construídas com IA e compreensão contextual, especialmente relevantes em CTV, onde a qualidade dos metadados é crucial. A sua recomendação para o setor de grande consumo foi clara: “Menos dependência de caixas negras, mais transparência na construção de audiências e mais contexto avançado para recuperar precisão”.
O painel sobre criatividade, moderado por María Alonso, CMO da MIOTI, reuniu Miguel Pereira (Darwin & Verne e Phileas), Borja Martín-Lunas (Dentsu Creative Espanha e Portugal) e Luis González-Aller (WPP Media). Os participantes defenderam que a ideia e a coerência da marca devem continuar sob responsabilidade humana. A IA acelera a exploração e a produção, mas exige que as equipas dominem o prompting como nova competência essencial. O setor caminha para plataformas integradas que concentram múltiplas ferramentas: as agências independentes oferecem agilidade, enquanto os grandes grupos asseguram melhores enquadramentos de direitos e utilização. A ética, destacaram, deve orientar o design: a indústria precisa de autorregular-se e ser transparente nos processos.
A mesa “Brand Building com IA”, moderada por Jon Artolozaga (Mediaplus Equmedia), contou com Ana Cazorla (SomosSapiens + Zizer), Isabel Flores (Refinery89), Jorge Álvarez-Naveiro (Ecoener) e Nacho Benito (DoubleVerify). O debate centrou-se em identidade e escala. “A hiperpersonalização abre oportunidades, mas pode quebrar a marca se não houver uma orientação estratégica”, alertaram. Paralelamente, a proliferação de sites de “baixa qualidade” gerados por IA exige verificação rigorosa. A fórmula proposta combina clústeres de audiência mais precisos (sustentados por grandes volumes de sinais) com criatividade e ética “ao serviço das pessoas”.
O encerramento ficou a cargo de David Carro (Digital Boosters AI), com Álvaro Anguita (IPG Mediabrands), César Alonso (Movistar), Francesca Lía (ShowHeroes) e María Moreno (Irismedia). O painel, que procurava antecipar o futuro do ecossistema publicitário e da IA, deixou três certezas: primeiro, a adoção ainda está na fase 1.0 — é essencial proteger o lado humano e aceitar os custos de integração e aprendizagem; segundo, os obstáculos são técnicos e culturais, exigindo limites claros de uso; e terceiro, as marcas precisam de um “brand brain” incorruptível, que sirva de referência estável para qualquer automatização.
A principal conclusão do PM NxtBigThing 2025 é que a IA já melhora a produtividade na ativação, produção e análise, mas o retorno sustentável dependerá dos dados próprios, da transparência nas audiências e algoritmos e da gestão criativa que preserve a identidade de marcas e anunciantes. A curto prazo, o mercado será marcado por pilotos controlados em CTV e display, plataformas de trabalho mais integradas e acordos mais claros entre meios e tecnologias sobre o uso e a compensação de conteúdos.